A carta
O Banco Central deve viver uma situação inusitada nesta quarta-feira, dia de divulgação da inflação oficial ao consumidor brasileiro (IPCA) em 2017. Se confirmadas as expectativas de alta de 0,30% em dezembro, acumulando taxa de 2,80% no ano passado, será a primeira vez que a autoridade monetária terá de escrever uma carta aberta justificando à sociedade porque a inflação foi tão baixa, sendo inferior ao piso do intervalo de tolerância, de 3%.
É isso mesmo! Apesar de o preço médio da gasolina ter subido quase 10% em 2017, fechando o ano acima de R$ 4,00, e do gás de cozinha ter tido a maior alta em 15 anos, a inflação no período deve ter sido a mais baixa desde 1998, com boa parte da pressão de alta sendo absorvida pela queda nos preços de alimentos. A safra recorde de grãos ajudou a compensar também o impacto da conta de luz mais cara nos últimos meses de 2017.
Desde o início do regime de metas de inflação no Brasil, em 1999, em apenas três ocasiões o IPCA encerrou o período corrido de 12 meses próximo ao ponto central da meta (2000, 2007 e 2009). Apenas uma vez, em 2006, aconteceu de a taxa ficar abaixo do centro da meta, mas ainda dentro do limite de oscilação. Já em outras quatro vezes (2002-2004 e 2016), a inflação ficou acima do aceitável, levando o presidente do BC a redigir tal carta.
Em 2017, porém, a situação é adversa – e inédita. Nunca antes na história deste país foi preciso justificar o porquê a inflação ficou abaixo do combinado. O comportamento, no entanto, não deve ser encarado como um sinal de fracasso da política econômica do governo. Ao contrário, os números a serem divulgados hoje pelo IBGE (9h) devem reforçar o cenário de recuperação da atividade no Brasil, sem gerar pressão inflacionária.
Trata-se do grande destaque da agenda econômica hoje, que traz também indicadores sobre os custos da construção civil (9h) em dezembro e da indústria no último trimestre de 2017 (11h), além dos números do fluxo cambial nos primeiros dias de janeiro (12h30). No exterior, o calendário está mais fraco e traz como destaque os estoques norte-americanos de petróleo bruto e derivados na semana passada (13h30).
Na virada de ontem para hoje, a China informou que os preços ao produtor (PPI) perderam força em dezembro pelo segundo mês seguido, com alta de 4,9% na comparação anual, ante alta de 5,8% no mês anterior, ao passo que a inflação ao consumidor chinês (CPI) desacelerou a 1,8% em dezembro, acumulando aumento de 1,6% em 2017, de +2,0% em 2016 e ficando abaixo da meta de 3% definida por Pequim. No ano, o PPI subiu 6,3%.
Esses números não influenciaram os negócios no exterior, onde o sinal negativo volta a predominar em Wall Street, apontando mais uma tentativa de realização de lucros nas bolsas de Nova York. Os índices futuros exibem leve baixa nesta manhã, o que interrompeu o rali na Ásia, onde os investidores também fizeram uma pausa para recompor o fôlego. A Bolsa de Tóquio fechou em queda, com o iene se fortalecendo pelo segundo dia seguido.
O dólar perde terreno para as moedas de países desenvolvidos e emergentes, o que eleva os preços das commodities. O barril do petróleo tipo WTI é cotado perto dos maiores níveis desde 2014, acumulando ganhos de quase 5% desde o início do ano. Entre os metais básicos, também prevalece o sinal de alta.
Esse desempenho dos mercados internacionais deve influenciar os negócios locais, agora que os riscos do excesso de otimismo que vinha sendo construído nos ativos brasileiros começam a fazer mais preço. Os investidores perceberam que é perigoso simplesmente fechar os olhos para o rombo fiscal e apostar todas as fichas na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no próximo dia 24.
Conforme já salientamos aqui, é simplista – e até ingênuo - acreditar que o petista será condenado por 3 a 0 no julgamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), eliminando qualquer possibilidade de disputa das eleições. Além de o julgamento poder se arrastar, com algum pedido de vista do processo, Lula poderá recorrer em outras instâncias, acionando até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) e adiando o veredicto final.
Ou seja, Lula pode até concorrer à vaga na Presidência da República e, só depois, saber se ele poderá, então, assumir o cargo, caso as pesquisas de intenção de voto se confirmem. O fato é que o quadro eleitoral brasileiro está muito incerto e se trata de um risco muito mais imensurável que as chances de aprovação da reforma da Previdência neste ano. Aliás, o governo continua em busca dos 308 votos necessários para aprovar a matéria, em dois turnos, na Câmara dos Deputados.
A questão é que, após o atrito entre o presidente da Casa, Rodrigo Maia, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, acionaram o sinal de alerta no Palácio do Planalto, com o governo temendo que o deputado irá poupar esforços para aprovar as novas regras para aposentadoria – ao menos até que o governo defina quem será o candidato da situação na corrida presidencial.
Mas o problema no Brasil continua sendo as contas públicas. Seja quem for eleito, irá assumir um governo quebrado em 2019, com a dívida caminhando para níveis próximos ao calote – ainda mais se a proposta atual de reforma da Previdência for derrotada (ou arquivada) no Congresso ou mesmo se a tal “regra de ouro” não for alterada.
Nos bastidores, Meirelles e seu “time dos sonhos” trabalham para mudar a norma – senão para 2018, então para 2019 - de modo a permitir que o governo faça empréstimos para cobrir despesas, como o salário de servidores. No fim, o governo Temer, que tanto primou pelo ajuste fiscal, pode ficar marcado pelo descontrole orçamentário, buscando mudanças na Constituição para salvar-se da punição de crime de responsabilidade.