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Mercado tem choque de realidade



Finalmente aconteceu. O mercado financeiro caiu na real quanto ao impacto do novo coronavírus no mundo, que já se espalha para outros países fora da China, ameaçando a economia global, via choques de oferta e de demanda. O problema é que os investidores resolveram dar importância ao COVID-19 justamente nos dias em que os negócios locais estavam festejando o carnaval, o que adia para hoje fortes ajustes nos ativos domésticos.


E o tombo do Ibovespa deve ser feio, levando-se em conta as perdas de 3% em Wall Street ontem e segunda-feira, em meio à aversão ao risco por causa dos efeitos do coronavírus. O principal índice acionário da Bolsa pode vir abaixo da marca dos 110 mil pontos, uma vez que o principal ETF que replica o índice acionário (EWZ) caiu mais de 5% em dois dias.


Atenção especial ao dólar, que renovou o maior valor nominal em relação ao real na última sexta-feira, fechando colado à faixa de R$ 4,40, após superar essa cotação durante o pregão daquele dia, em nova máxima histórica. E a volta dos negócios locais hoje deve ser de novos topos nunca antes alcançados pela moeda norte-americana contra a brasileira.


Afinal, os mercados internacionais iniciaram a semana atemorizados pela disseminação dos casos da doença na Europa, o que disparou uma busca por proteção. A Itália é o país com mais registros da doença fora da Ásia (323) e o surto na “terra da bota” está localizado próximo a uma região conhecida por ser um centro industrial, deixando a Alemanha em alerta.


Outros quatro países europeus - Áustria, Croácia, Espanha (Ilhas Canárias) e Suíça - anunciaram os primeiros casos, enquanto a França registrou novos. No Oriente Médio, o Irã é o país com o maior número de mortes por coronavírus (15) fora da China, o que levou países vizinhos a fechar as fronteiras.


No total, mais de 30 países têm casos confirmados da doença. O Brasil teve ontem um teste positivo para coronavírus, mas ainda aguarda uma contraprova para confirmar o resultado. Relatos dão conta de que um segundo exame, de um homem que esteve na Itália a trabalho, também deu positivo, com o país passando a ser o primeiro da América Latina a registrar a doença.


Pandemia


Assim, por mais que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha tentado tranquilizar o mundo, o receio no mercado financeiro é de que haja uma pandemia. E esse temor pressionou ainda as bolsas de Nova York ontem, quando até ensaiaram uma recuperação, mas acabaram amargando novas perdas, de mais 3%.


O índice Dow Jones caiu 870 pontos entre segunda e terça-feira, na maior queda em dois dias da história, enquanto o S&P 500 perdeu mais de 6%, diante da percepção de que o coronavírus está paralisando a atividade econômica em várias partes do mundo. Mas hoje os índices futuros das bolsas norte-americanas tentam novamente engatar uma melhora.


Porém, como essa tentativa de alta ontem acabou sucumbindo, o que não anima as principais praças europeias. Ontem, as bolsas do Velho Continente caíram um pouco menos do que na véspera, quando a Bolsa de Milão cedeu mais de 5%. Na terça-feira, Madri liderou as perdas, com -2,5%, enquanto as demais praças recuaram menos de 2%.


Já na Ásia, o tombo das bolsas no Ocidente não chegou a contaminar. Mas os investidores estão preocupados com a proliferação de casos em outros países da região, em especial a Coreia do Sul e o Japão. Ainda assim, o índice Kospi se recuperou ontem e subiu pouco mais de 1%, enquanto Tóquio voltou do feriado com perdas de mais de 3%.


Hoje, as principais bolsas asiáticas seguiram no vermelho, medindo os impactos do surto de coronavírus tanto no consumo quanto na produção. As fábricas na China ainda estão se esforçando para reabrir, deixando a sensação de que pode levar meses até que a atividade volte ao normal, potencializando os danos na cadeia global de suprimentos.


Dados divulgados hoje mostram que a economia (PIB) de Hong Kong encolheu 2,9% no quarto trimestre do ano passado em relação a um ano antes, e caiu 0,3% frente ao trimestre anterior, na terceira queda trimestral consecutiva, o que mantém a região autônoma da China em recessão técnica. Os números refletem o impacto dos protestos na ilha em 2019.


Em reação, as bolsas de Hong Kong, Xangai e Tóquio caíram 0,8%, enquanto Seul teve queda de 1,3%, com os investidores assustados com os mais de 1,1 mil casos confirmados de coronavírus no país e outras 12 mortes. No Pacífico, a Bolsa de Sydney recuou ainda mais, em -2,3%.


Nos demais ativos, o dólar continua sendo beneficiado pelo voo para a segurança (fly to quality), que também sustenta o ouro nos níveis mais altos desde 2013, ao mesmo tempo em que derruba os rendimentos (yield) dos títulos norte-americanos (Treasuries) para as mínimas históricas. Já o petróleo tipo WTI sofre para manter a marca de US$ 50 por barril.


Assim, o mercado financeiro acordou nesta semana para a realidade e se dá conta de que a epidemia de coronavírus pode ter um impacto muito maior na economia global do que o estimado. A tensão, agora, é para saber como os governos (e os bancos centrais) irão agir para não abalar a confiança, já que não se sabe quanto tempo o surto vai durar.


Que bicho é esse?


Ou seja, enquanto a doença parecia estar concentrada somente na China, o mercado financeiro acreditava que o impacto negativo se daria apenas no crescimento econômico chinês e para empresas que dependem de produtos Made in China - como a Apple. Portanto, os investidores vinham ignorando o potencial de contágio do coronavírus em outros países, não apenas no âmbito da saúde, mas também os efeitos na atividade.


Mas, agora, eles se depararam com um “rinoceronte cinza”, após passarem semanas relegando os perigos iminentes (e óbvios) da doença em relação à oferta e ao comércio global, que vinham sendo subestimados, apesar de vários alertas - inclusive aqui. O risco, porém, é de que esse animal seja outro... e de outra cor.


Longe de ser “profeta do caos”, a mensagem entoada aqui está em sintonia com as vozes que destacavam que esse evento totalmente inesperado sobre o vírus mais se parece a um “cisne negro”. Trata-se de um fenômeno de grande impacto nos preços dos ativos e potencial transformador do cenário macroeconômico global, disparando um gatilho para ajustes intensos e abrindo espaço para a chegada dos “ursos” - e do mercado de baixa (bear market).


Afinal, a possibilidade de uma desaceleração brusca na China, em um momento já frágil das principais economias centrais, pode levar o mundo a uma recessão severa, pois nenhum país consegue substituir o consumo chinês (e a produção). Tanto que o mercado já vê o Federal Reserve voltando a atuar e retomando o ciclo de cortes dos juros em março.


Mas com a taxa de juros norte-americana já próxima a zero - e o mundo vivendo uma era de yields negativos - qual será a eficácia de novas quedas no custo do empréstimo para combater uma doença? Os estímulos monetários, que já se mostravam impotentes antes mesmo desse surto, devem ser inócuos. Portanto, não se deve esperar milagres neste front.


Daí então que o risco é que os erros que foram cometidos em Wuhan, epicentro do surto, sejam repetidos em outros lugares. Afinal, os países foram rápidos em cortar o transporte para a China, mas pouco fizeram internamente para uma contenção estrutural da doença, evitando que se espalhasse de maneira irrestrita e que a situação se agravasse.


A questão é que a estrutura política na China permite ao governo agir rápido ao adotar medidas, muitas delas tidas como draconianas aos olhos de democracias ocidentais. A decisão de isolar cidades inteiras e deslocar profissionais da saúde para ajudar no controle da doença mostrou uma capacidade de mobilização que nenhum outro país parece possuir.


Tanto que o risco de o vírus se espalhar amplamente na China já passou. Wuhan ainda está em situação de bloqueio, mas os novos casos de infecção no país estão diminuindo constantemente e até mesmo desaparecendo, como no Tibet. No levantamento mais recente, existem 78,1 mil confirmações da doença e 2,7 mil mortes no país.


Agenda em segundo plano


Com um calendário de indicadores e eventos econômicos bastante leve nesta semana, o noticiário em torno do coronavírus deve seguir como o principal direcionador (driver) do mercado financeiro global nos próximos dias. Até porque boa parte dos números que serão conhecidos ainda falam de um passado que não contém a doença.


Ainda assim, a agenda doméstica traz em destaque dados de atividade (comércio e serviços) e sobre o mercado de trabalho. No exterior, merecem atenção os dados sobre a renda pessoal e os gastos com consumo nos Estado Unidos, além da inflação ao consumidor norte-americano (CPI).


Confira um resumo do que passou e o que vem por aí nesta semana:

*Horários de Brasília


Segunda-feira: A segunda-feira foi negra nos mercados globais, diante do aumento no número de casos de coronavírus fora da China, em especial, no Irã e na Itália. Em Wall Street, os três índices acionários caíram mais de 3%, cada, o que não acontecia desde dezembro de 2018, sendo que Dow Jones registrou a terceira maior queda diária em 124 anos de história e ficou negativo no ano. Na Europa, as perdas foram ainda mais aceleradas, de mais de 5% na Itália, no recuo mais acelerado desde 2015, enquanto as bolsas de Frankfurt, Paris e Madri caíram 4%, cada. Entre os ativos seguros, o ouro renovou o maior valor em sete anos, a US$ 1.684 a onça, ao passo que o rendimento do título norte-americano de 10 anos (T-note) aproximou-se da mínima recorde de 1,32%. Já o preço do barril de petróleo manteve a faixa de US$ 50.


Terça-feira: O Dow Jones caiu mais de 3% novamente, perdendo 1,9 mil pontos em dois dias, no maior recuo no período na história do indicador. O S&P 500 e o Nasdaq 100 também tiveram perdas aceleradas, com as incertezas sobre as eleições presidenciais nos EUA também pesando em Wall Street. Mas, no geral, o movimento ainda reflete o medo em relação ao coronavírus, o que também penalizou as bolsas europeias. Porém, as perdas no Velho Continente foram mais moderadas, após a Ásia ensaiar uma recuperação. Nos demais ativos, a T-note cravou nova mínima, a 1,31%.


Quarta-feira: O mercado doméstico volta a operar hoje, a partir das 13h, após a pausa de dois dias e meio por causa do carnaval. Antes, às 12h, o Banco Central publica o relatório de mercado Focus. No exterior, saem dados sobre o setor imobiliário norte-americano. Também merece atenção a decisão de política monetária do BC da Coreia do Sul (BoK).


Quinta-feira: A agenda econômica doméstica traz apenas o resultado deste mês do IGP-M, enquanto no exterior o destaque fica a segunda estimativa do PIB dos EUA. O calendário norte-americano traz também as encomendas de bens duráveis. Ainda por aqui, também será conhecida a bandeira tarifária vigente para o mês de março e sai o balanço da Ambev.


Sexta-feira: A semana chega ao fim com uma agenda carregada. No Brasil, saem os índices de confiança dos empresários dos setores industrial e de serviços em fevereiro, além dos dados atualizados até janeiro sobre o mercado de trabalho no Brasil (Pnad). Já nos EUA, serão conhecidos os dados sobre a renda pessoal e os gastos com consumo em janeiro, além do índice de preços PCE, dos estoques no atacado e da leitura final do sentimento do consumidor norte-americano.


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