Rali do mercado faz uma pausa
O rali do mercado financeiro visto neste começo de mês faz uma pausa hoje, com os investidores recompondo o fôlego enquanto aguardam a decisão de juros do Banco Central Europeu (BCE) e os pedidos de auxílio-desemprego nos Estados Unidos. Mas não se pode descartar uma retomada da trajetória de alta ao longo do dia, já que o otimismo com uma rápida recuperação econômica da pandemia tem descolado os ativos de risco da realidade.
Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram no vermelho, um dia após o S&P 500 encerrar no maior nível desde março e o Nasdaq 100 ficar próximo da máxima histórica, registrada em fevereiro. Esse sinal negativo vindo de Wall Street prejudicou a sessão na Ásia, onde as bolsas encerraram de forma mista, com leves baixas em Hong Kong e Xangai, mas ligeira alta em Tóquio.
Na Europa, as bolsas da região ensaiam queda, à espera dos eventos envolvendo o BCE, a partir das 8h45. A expectativa é de que a autoridade monetária amplie o programa de estímulos em 500 bilhões de euros, indo a 1,250 trilhão de euros, após a presidente do BCE, Christine Lagarde, piorar a previsão para a economia da zona do euro neste ano, estimando um tombo de 8% a 12%. Às 9h30, ela concede entrevista coletiva.
Neste mesmo horário, os investidores recebem o relatório atualizado sobre as solicitações semanais de desemprego nos EUA para avaliar se o pior do impacto do surto de coronavírus no mercado de trabalho já passou. A previsão é de que a taxa de desemprego no país tenha saltado a 19,5% no mês passado, no nível mais alto desde os anos 1930, afetando mais de 30 milhões de pessoas.
Assim, tanto a agenda econômica norte-americana - que traz também às 9h30 o resultado de balança comercial em abril e os dados revisados sobre a produtividade e o custo da mão de obra no primeiro trimestre deste ano - quanto a decisão do BCE podem influenciar na direção dos ativos para o dia. À espera desses eventos, o dólar se recupera do nível mais fraco desde março, os títulos dos EUA (Treasuries) estão de lado e o petróleo cai.
Bull Trap
O fato é que o mercado financeiro iniciou junho decidido em se descolar da realidade que se apresenta, em meio à agitação social no mundo e aos impactos econômicos decorrentes da pandemia, e resolveu agir por vontade própria, amparado na colossal liquidez injetada pelos bancos centrais. Os investidores mostram um voraz apetite por risco, mesmo frente às enormes incertezas no cenário pós-coronavírus.
Olhando pelo prisma da liquidez do sistema financeiro global, fica claro que os recursos injetados em especial pelo Federal Reserve estão vazando para o mundo. E essa quantidade imensa de dinheiro disponível no mercado tem buscado retorno em ativos mais arriscados, principalmente aqueles que foram duramente castigados desde o início do ano, como é o caso do real.
Mas engana-se quem avalia que essa aparente dissociação do mercado financeiro da realidade não terá um custo no futuro, pois a crise atual decorre de uma questão sanitária que produziu impactos na atividade real - e não é, portanto, algo intrínseco ao próprio sistema financeiro, como foi em 2008. Assim, é preocupante o descolamento dos preços dos ativos das perspectivas econômicas.
Talvez seja o momento de discutir se ainda é sustentável a estratégia de bancos centrais e governos em lançar mão de estímulos monetários e fiscais que parecem quase absurdos a tudo o que já foi feito. Talvez. Afinal, o problema que irá se apresentar à frente, no mais longo prazo, quando (se) a Covid-19 desaparecer, é um modelo econômico que acelera a concentração de renda e aumenta as desigualdades sociais.
Por isso, seria prudente o mercado financeiro ficar mais simétrico ao que acontece nas ruas de várias cidades, em tempos de pandemia, pois o ambiente político não é um dos mais tranquilos. Enquanto nos EUA, a eleição presidencial deve entrar no radar em breve trazendo todo o clima de campanha que envolve uma tentativa de reeleição; no Brasil, a crise econômica combinada com a insatisfação social são uma combinação explosiva que pode justificar uma reação autoritária do governo Bolsonaro.
A conclusão que se chega, então, é que a liquidez disponível no mercado financeiro é insuficiente para lidar com o tamanho dessa indústria. E quando os bancos centrais e governos se juntaram para expandir seus balanços criou-se uma armadilha de alta (bull trap) entre os ativos, impedindo uma dinâmica que seria mais condizente com a agitação popular e o consenso econômico de que ninguém projeta uma recuperação em “V”.
Mas ao que tudo indica, o mercado financeiro vai precisar de uma mudança substancial de cenário para inverter essa tendência de recuperação dos preços dos ativos mais arriscados. Os riscos ao otimismo traçado pelos investidores são uma retomada pós-coronavírus mais lenta e profunda - em forma de “L” ou “U”; uma brutal segunda onda de contágio de Covid-19 e uma piora na relação (geo)política no mundo. A conferir.