Mercado sustenta a grande aposta
Dados de atividade no Brasil e no exterior e sobre o (des)emprego no setor privado dos Estados Unidos recheiam a agenda do dia e podem lançar luz sobre o cenário pós-pandemia traçado pelos investidores. Afinal, é a confiança na recuperação da economia global que tem deixado o mercado financeiro indiferente à onda de protestos, que já chegou na Europa, com a liquidez jorrada pelos bancos centrais alimentando o apetite por risco.
Com isso, o mercado financeiro negligencia os riscos de uma segunda onda de contágio de Covid-19, que deve ser inevitável em toda parte do mundo até que surjam vacinas ou medicamentos mais eficazes no tratamento. Da mesma forma, ignora os efeitos das manifestações, que são sintomas do processo de aprofundamento da desigualdade social e da aceleração da concentração de renda em meio à disseminação do coronavírus.
A dúvida, então, é se não há exagero no otimismo agora, assim como foi exacerbado o pessimismo que surgiu no carnaval e destruiu os ativos globais em março. Seja como for, foi a redução da posição defensiva (hedge) em ativos mais seguros, como o dólar, em meio ao prisma da liquidez sem precedentes, que, por exemplo, içou a Bolsa brasileira (Ibovespa) para além dos 90 mil pontos e trouxe a moeda norte-americana para perto de R$ 5,20. Há quem diga que os 100 mil pontos e a faixa de R$ 5,00 estão logo ali.
O que mais surpreende é a rapidez e a força desse movimento, como se fosse em uma cena de “velozes e furiosos”. Fica, então, a sensação de que, em meio a tantas incertezas e desafios, a cegueira e a surdez aos acontecimentos do mundo deixam o mercado financeiro tão desconectado da realidade para obedecer a uma lógica própria e viver momentos de “exuberância irracional”, com base em cenários que podem (ou não) se concretizar.
Essa recusa dos investidores aos riscos crescentes pode acabar em outro filme e se tornar “uma grande aposta”. Afinal, não se sabe como se dará a retomada da atividade pós-pandemia - que ainda nem atingiu o pico no Brasil e pode ressurgir onde já passou. E, por mais que haja uma recuperação em “V” já no próximo trimestre, o processo a longo prazo tende a ser desigual, lento e errático, abrindo possibilidade às letras “U”, “L” e “W”.
Alheio aos riscos
Ainda assim, os ativos de risco no exterior mantêm hoje a dinâmica positiva vista nos últimos dias, a despeito do aumento de alguns riscos no cenário. As principais bolsas da Ásia fecharam em alta - exceto Xangai, que encerrou de lado (+0,07%) - pegando carona nos ganhos da véspera em Wall Street.
O otimismo em relação à reabertura da economia após as medidas restritivas na atividade para conter a disseminação do coronavírus segue como mote. Os investidores também se apoiam no salto do índice dos gerentes de compras (PMI) calculado pelo Caixin sobre o setor de serviços na China, de 44,4 em abril para 55 em maio, voltando à expansão.
Foi a recuperação mais acentuada do indicador desde outubro de 2010 e reflete a retomada da demanda doméstica, que impulsionou o total de novos pedidos às empresas. Porém, as encomendas de exportação e as contratações seguiram em queda acentuada, sinalizando que a recuperação econômica nascente na China já começa a estagnar.
Mais discreto, o índice PMI oficial do setor de serviços chinês, que é mais voltado às grandes empresas, subiu a 53,6 em maio, de 53,2 em abril. Já na Europa, o PMI do setor de serviços da zona do euro também deu um salto, passando de 12 em abril para 30,5 em maio e ficando acima da leitura preliminar do mês passado, a 28,7.
Números abaixo da linha divisória de 50 indicam condições deterioradas da atividade, seguindo em terreno contracionista. A abertura do dado da região da moeda única mostra taxas de declínio acentuado da atividade empresarial e do emprego pelo terceiro mês consecutivo, mas indica que a perda de tração da atividade diminuiu acentuadamente em todos os países do bloco.
Ainda assim, as principais bolsas europeias estendem os ganhos pela terceira sessão consecutiva e sobem quase 2% nesta manhã, ao passo que o euro é negociado acima de US$ 1,12 pela primeira vez desde meados de março. Aliás, a moeda norte-americana perde terreno de forma generalizada, o que empurra o petróleo para perto da marca de US$ 40.
Os índices futuros das bolsas de Nova York também têm ganhos firmes. Os investidores relegam a escalada da tensão entre EUA e China bem como os protestos em várias cidades norte-americanas, que entraram no oitavo dia e podem desencadear aumento nos casos de Covid-19, e aguardam os indicadores econômicos previstos para o dia.
Dia de agenda cheia
Novos indicadores de atividade serão conhecidos hoje, desta vez, sobre o desempenho da indústria brasileira em abril (9h) e o setor de serviços nos EUA (11h). No caso da produção industrial nacional, espera-se um tombo da ordem de 30% nas duas bases de comparação, com o setor registrando uma queda histórica já sob forte impacto da pandemia. Ainda por aqui, saem os dados do Banco Central sobre a entrada e saída de dólares (14h30).
Também merecem atenção o relatório da ADP sobre o emprego no setor privado dos EUA no mês passado (9h15). A previsão é de fechamento de mais 10 milhões de vagas nas empresas norte-americanas, após a eliminação de 20 milhões de postos de trabalho no mês passado. O calendário traz também as encomendas às fábricas do país em abril (11h) e os estoques semanais de petróleo bruto e derivados (11h30).