Mercados de ressaca
De goleada. O mercado financeiro festejou o placar de 3 a 0 contra o ex-presidente Lula no TRF-4, que praticamente elimina as chances do líder petista disputar as eleições presidenciais deste ano. Mas nesta sexta-feira espremida entre o feriado na cidade de São Paulo e o fim de semana, os investidores podem até levar em conta o desempenho das ações brasileiras negociadas no exterior (ADRs), que dispararam ontem na Bolsa de Nova York. Só que após o salto de 3 mil pontos do Ibovespa na quarta-feira e da queda do dólar ao menor nível desde outubro, abaixo de R$ 3,15, ontem, ainda em reação à decisão da Justiça, os negócios locais devem ficar "de ressaca" hoje, ajustando os preços dos ativos.
Sem Lula na disputa - e possivelmente na cadeia em breve após a proibição dele sair do país - o cenário eleitoral perde um fator de incerteza. Mas ainda há muitas dúvidas. Não se sabe quem pode receber os votos que iriam para o ex-presidente. Nem mesmo quem será o candidato da esquerda - ou da situação. Além disso, na ausência do petista na eleição presidencial quem assume a liderança, segundo as pesquisas, é Jair Bolsonaro (PSC), sendo que os candidatos do PSDB, Geraldo Alckmin e João Doria, têm desempenho similar.
Não há ainda, portanto, um candidato de centro e com viés reformista que, acima de tudo, tenha apoio popular. E, a menos que um governo com uma agenda pró-reformas se transforme em favorito para o pleito de outubro, os ganhos dos mercados domésticos não tendem a se sustentar por muito tempo. Afinal, os investidores aproveitaram o assunto envolvendo o ex-presidente para tirar do foco questões igualmente importantes.
O mercado não está ligando para assuntos como a reforma da Previdência e o rombo das contas públicas, mas deveria, pois a crise fiscal segue com uma gravidade enorme no país. Por isso, passada a euforia que tomou conta dos negócios locais minutos antes do fechamento do pregão de quarta-feira, a cautela deve voltar, pois o otimismo desenfreado não pode estar amparado em anseios e sinais tão frágeis. Ainda mais quando não se sabe se uma agenda reformista irá emplacar durante a campanha e a partir de 2019.
O governo sabe disso e voltou de Davos determinado em aprovar novas regras para aposentadoria em fevereiro. A reforma da Previdência será prioridade nas próximas semanas, quando também se encerra o recesso legislativo. O presidente Michel Temer ainda precisa conquistar o apoio necessário da base aliada para aprovar a matéria que deve ser colocada em votação na Câmara dos Deputados na semana seguinte ao carnaval, mas faltam cerca de 30 votos, nas contas do Palácio do Planalto, que ainda quer ter margem de manobra para evitar surpresas.
Assim, a reação ao julgamento do ex-presidente Lula foi apenas a primeira de inúmeros outros fatos e fatores perturbadores que virão ao longo deste ano de 2018. Por isso, questiona-se a sustentabilidade do rali recente dos ativos brasileiros, se não teriam ido muito alto e muito rápido. Mas é o apetite vindo do exterior que tem sustentando esse movimento, com os investidores estrangeiros colocando em menos de um mês quase R$ 6 bilhões em recursos na Bolsa, que já acumula valorização perto de 10% só em janeiro.
Aliás, não é apenas o noticiário interno que deve influenciar os negócios locais hoje. Ontem, quando o mercado de ações e de renda fixa não abriram por causa do feriado na cidade de São Paulo, o Banco Central Europeu (BCE) mostrou confiança na recuperação econômica da zona do euro, mas preocupação com a inclinação do governo Trump de manter um dólar mais fraco. Por isso, o presidente do BCE, Mario Draghi, reforçou o compromisso de manter os estímulos à região, o que pode evitar pressão sobre a moeda única europeia.
O euro é negociado nos maiores níveis em três anos nesta manhã, o que não inibe uma sessão de alta entre as bolsas europeias, sendo que a libra esterlina também sobe. Na Ásia, o desempenho foi misto, com a Bolsa de Tóquio prejudicada pelo avanço firme do iene, ao passo que as praças na China tiveram ganhos. Os índices futuros das bolsas de Nova York seguem no azul, um dia após o Dow Jones alcançar mais um fechamento recorde.
Já o petróleo se sustenta na faixa de US$ 65, monitorando o vaivém do dólar em relação às demais moedas, em meio às declarações vindas do governo Trump. O presidente Donald Trump afirmou que a declaração do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Steven Mnunchin, foi tirada do contexto e disse esperar um dólar mais forte, ampliando a discussão sobre os níveis da moeda norte-americana e deixando dúvidas sobre a posição da Casa Branca em relação ao comportamento do dólar.
Trump discursa hoje em Davos, na palestra mais aguardada do Fórum Econômico Mundial. Entre os indicadores econômicos, o destaque vem também do exterior, onde serão conhecidas as leituras preliminares do Produto Interno Bruto (PIB) do Reiuno Unido (7h30) e dos Estados Unidos (11h30) no quarto trimestre de 2017 e no acumulado do ano passado. A previsão é de crescimento entre 3% e 3,5% da economia norte-americana no período, o que reforça a dinâmica robusta da atividade.
No mesmo horário, saem também as encomendas de bens duráveis nos EUA em dezembro. Já o calendário no Brasil traz dados do setor da construção civil (8h e 11h) e sobre as transações externas do país em dezembro (10h30). À tarde, será conhecido o resultado da arrecadação federal de impostos em dezembro e no acumulado de 2017 (14h30). Também deve ser anunciado, oficialmente, o saldo entre as contratações e as demissões ocorridas em dezembro (10h).
Os números devem apenas confirmar os dados vazados no começo da semana, quando foi divulgado o fechamento de 328 mil vagas de emprego formal no país no mês passado, levando a um saldo negativo de 28 mil postos de trabalho fechados no acumulado de 2017. É o segundo mês consecutivo em que o total de vagas fechadas superou as ofertas de emprego preenchidas. Em novembro, o país fechou 12,3 mil vagas, após sete meses seguidos de geração de emprego com carteira assinada.