O outro lado do Mercado
O mercado financeiro alimenta esperança por um cessar-fogo na guerra comercial entre EUA e China, durante o G-20, mas o presidente Donald Trump não poupou alvos e lançou uma bomba retórica que atingiu não apenas Pequim, mas também o Reino Unido. Da mesma forma, os investidores buscam sinais de estabilização nos ativos de risco, apoiadas em palavras mais suaves (“dovish”) por parte do Federal Reserve, mas, por ora, prevalece a mensagem de dólar forte, com pressão nos emergentes e nas commodities.
Enquanto isso, no Brasil, a forma como o novo governo vem montando sua equipe de ministros, sem articulação partidária, está longe de garantir êxito do “time dos sonhos”. A falta de estratégia do novo governo para lidar com o Congresso pode gerar problemas na articulação de apoio na hora de votar medidas que precisam de maioria qualificada na Câmara e no Senado. Tratam-se, portanto, de cenários de expectativas, aqui e lá fora, que vêm são vislumbrados pelo mercado, mas que não encontram respaldo com a realidade.
A começar pelo líder da Casa Branca. Trump disse ontem que vai avançar com os planos de aumentar as tarifas em outros US$ 267 bilhões de bens chineses em janeiro, indicando que vai cobrar impostos adicionais, de 10% ou de 25%, sobre todas as importações da China aos EUA, caso as negociações com o líder chinês, XI Jinping, não resultem em um acordo. Trump e Xi reúnem-se no sábado, na Argentina, e devem tratar da questão comercial.
No caso de uma nova escalada, com mais taxações e retaliações, sem suavização do conflito ora em voga, o crescimento econômico global será ainda menor no longo prazo. E a tendência é de que a disputa resulte em perdas econômicas não só para os países diretamente envolvidos, mas também afete negativamente outras nações. Ao mesmo tempo, o confronto ganha outros contornos, em ambos os lados. Enquanto os EUA veem a China como uma ameaça à soberania mundial, Pequim se irrita com a sensação de que Washington está tentando impedir que a China assuma um lugar como potência - e não apenas econômica.
Diante disso, as bolsas chinesas fecharam no vermelho, com leves perdas em Xangai (-0,4%) e em Hong Kong (-0,4%). Tóquio, porém, subiu (+0,6%), com o iene perdendo terreno para o dólar. Os índices futuros das bolsas de Nova York também estão no negativo, contaminando a abertura do pregão na Europa. Por lá, pesa a declaração de Trump, de que os esforços da primeira-ministra Theresa May para obter um acordo para o Brexit no Parlamento inglês pode comprometer a capacidade do Reino Unido de firmar um pacto comercial com os EUA. A libra e o euro também recuam em relação ao dólar, com o fortalecimento da moeda norte-americana pressionando o petróleo e os metais básicos.
A agenda econômica ganha força somente nos próximos dias e, até lá, os investidores tendem a manter uma postura mais defensiva, com uma dose extra de volatilidade nos negócios, em meios às preocupações com o crescimento econômico global e às expectativas de aumento da taxa de juros norte-americana até o início de 2020. Nesta terça-feira, o calendário do dia traz uma série de indicadores, porém, sem grandes destaques.
No exterior, serão conhecidos os preços de imóveis residenciais nos EUA em setembro (12h) e a confiança do consumidor norte-americano neste mês (13h). Já no Brasil, saem dados da construção civil sobre a confiança e os custos do setor em novembro (8h), além da nota do Banco Central sobre o setor externo em outubro (10h30).
Agora, os investidores aguardam novidades no discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, amanhã, e na ata da reunião de novembro do Fed, um dia depois, para tomar posições. Hoje, é a vez do vice-presidente do Fed, Richard Clarida, discursar. Nesses eventos, os investidores esperam encontrar pistas sobre o rumo da taxa de juros nos EUA no horizonte à frente e o ritmo de aperto monetário.
Por aqui, é crescente a preocupação do mercado financeiro com a governabilidade da próxima gestão, em meio à escolha de nomes técnicos, com pouco traquejo político. Apesar de o perfil da equipe econômica de Paulo Guedes reafirmar o compromisso com a agenda liberal, preocupa a pouca experiência da turma de Chicago para costurar as medidas - impopulares, sobretudo - no Congresso.
Por mais que o Brasil esteja vivenciando uma mudança na formação de cargos políticos, com os nomes escolhidos não sendo ligados a partidos tradicionais, um novo sistema de barganha deve ser adotado. Ainda não se sabe se o novo governo terá êxito ao se afastar da prática do toma-lá-dá-cá - nem como como essa execução irá afetar o ritmo das reformas.
Por ora, os investidores - locais, principalmente - dão o benefício da dúvida, já que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, ainda não tomou posse. Porém, os estrangeiros estão mais céticos quanto à aprovação das reformas e avaliam que o cenário político não contribui para tornar os ativos domésticos mais atrativos.
Com isso, enquanto os locais estão otimistas e apostam na queda do dólar, o fluxo externo não aparece, ao mesmo tempo em que os “gringos” elevam a posição comprada (aposta na alta) na moeda estrangeira. Esse sentimento contamina a curva de juros futuros e inibe uma valorização do real brasileiro, prejudicando o desempenho da Bolsa brasileira.
Caso o governo não tenha dificuldades em avançar nas negociações para a mudança de regras na aposentadoria, o cenário de nenhum aumento na taxa básica de juros em 2019 tende a ganhar ainda mais força, com a Selic permanecendo na mínima histórica por mais tempo. Só que, com a Selic estável no Brasil, enquanto os juros nos EUA crescem, o diferencial de retorno pago entre os dois países tende a manter o dólar para cima.
Tais leituras explicam, em parte, a disparada do dólar para além de R$ 3,90 ontem, no maior valor em um mês e na maior alta diária desde o caso da JBS, em maio do ano passado. A outra fatia refere-se à sazonalidade típica de fim de ano, quando as filiais estrangeiras com sede no país remetem lucros às matrizes no exterior, pesando na cotação por aqui.
Em linhas gerais, o movimento mostra que “o câmbio não gosta de uma Selic baixa”. Ainda mais agora que é crescente a percepção de juros baixos por um período prolongado. Tanto que a arrancada da moeda norte-americana às vésperas do fim do mês levou o Banco Central a anunciar dois leilões de linha (venda com compromisso de recompra) de US$ 2 bilhões, de modo a conter uma pressão adicional do dólar antes da formação da taxa referencial (Ptax).
Ou seja, o mercado financeiro brasileiro está digerindo uma posição técnica antagônica - entre os investidores locais e os estrangeiros - em meio a condições externas hostis e a incertezas sobre o modo do novo governo de conduzir a agenda de reformas. A escassez de recursos em direção aos países emergentes também influencia nos ativos locais. No fim, os investidores buscam proteção onde há liquidez - seja na moeda, seja nos bônus.