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O mercado que se adapte


O Federal Reserve desafiou ontem o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o mercado financeiro global ao mostrar-se firme no processo de alta (normalização) dos juros ao longo de 2019 e os investidores terão de se adaptar à continuação do ciclo no ano que vem, ampliando o deserto de recursos que o fim dos estímulos tem causado. Após elevar a taxa norte-americana pela quarta e última vez neste ano, o Fed frustrou as expectativas de uma condução suave (“dovish”) da política monetária e sinalizou que o próximo ano ainda contará com mais dois aumentos - e não três como esperado antes.

Essa estimativa vai na contramão das apostas do mercado financeiro, que embutia menos de uma elevação no ano que vem - o que, se confirmado, poderia animar os investidores, “órfãos” da liquidez abundante dos últimos anos. Mas a redução na projeção do Fed para o comportamento da taxa de juros nos EUA em 2019 foi o único recado menos agressivo (“hawkish”) - ao contrário do que muitos estavam esperando.

A autoridade monetária afirmou, no comunicado que acompanhou a decisão de elevar os juros norte-americanos em mais 0,25 ponto percentual (pp), para o intervalo de 2,25% a 2,50%, que ainda vê a necessidade de “alguns aumentos graduais adicionais”. Para o Fed, deve haver um aperto derradeiro em 2020, quando o ciclo chega, então, ao fim.

Segundo o presidente da autoridade monetária, Jerome Powell, a economia dos EUA está se expandindo em um ritmo forte e o ciclo de normalização monetária não deve diminuir o crescimento econômico do país nos próximos anos. Ainda assim, o Fed também reduziu a previsão para a alta do PIB do país neste ano, de 3,1% para 3%, e em 2019, de 2,5% para 2,3%.

Para Powell, praticamente não há uma ameaça à economia real da recente turbulência do mercado financeiro global, pois o que importa são “mudanças estruturais em uma ampla gama de condições financeiras durante um certo período de tempo”. Simplificando, Jay avalia que o movimento observado entre os ativos de risco é apenas “alguma volatilidade”.

É bom lembrar que Wall Street entrou em rota de correção, com os índices acionários batendo mínimas em mais de um ano, em meio ao achatamento da curva de juros norte-americana, que historicamente antecipa momentos de recessão da economia dos EUA. Com isso, os investidores passaram a apostar em uma abordagem menos agressiva do Fed na condução da política monetária, em meio a preocupações de que o crescimento global está desacelerando.

Essas apostas ganharam um reforço extra de Trump, que bradava pelas redes sociais para não deixar o mercado mais “ilíquido”. Durante a coletiva de imprensa, porém, Powell salientou que as considerações políticas não desempenham nenhum papel nas decisões do Fed. “Nós vamos fazer o nosso trabalho da maneira que sempre fizemos. Nada irá nos impedir de fazer a coisa certa”, disse ao ser perguntado sobre a pressão da Casa Branca.

Assim, se o mercado acreditar no Fed, não há porque fugir dos ativos de risco e buscar proteção nos títulos norte-americanos (Treasuries), já que a taxa de juros irá subir menos no ano que vem. O recado do Fed foi bem claro: a economia não está ladeira abaixo. Mas os investidores estão com medo de o Fed estar errado e ter julgado mal a situação, ao não aliviar o aperto monetário à frente.

Como resultado, os investidores tentam encontrar uma saída, vendo no Fed um “inimigo”. As principais bolsas asiáticas encerraram a sessão em queda, com as perdas lideradas pela Bolsa de Tóquio, que caiu quase 3%. O desempenho foi penalizado pelo sinal negativo vindo dos índices futuros das bolsas de Nova York, que apontam para mais um dia de perdas. As principais bolsas europeias também caminham para uma abertura no vermelho.

Outras classes de ativos têm desempenho mais contido, com o iene apresentando um ganho modesto em relação ao dólar, após o Banco Central do Japão (BoJ) manter a política monetária inalterada, e o rendimento (yield) dos Treasuries estável. Já o petróleo WTI tenta recuperar a faixa de US$ 48 o barril, com alta de mais de 3%.

Além de toda a adaptação do mercado financeiro ao Fed, o mercado financeiro tenta se apoiar na aprovação no Senado do projeto de lei que evita uma paralisação (shutdown) parcial do governo norte-americana, mantendo as funções da administração Trump até o início de fevereiro. Antes, em janeiro, EUA e China planejam uma reunião para negociar uma trégua comercial mais ampla.

Na agenda do dia, novos eventos envolvendo bancos centrais estão previstos para hoje. Na Europa, o BC da Inglaterra (BoE) anuncia a decisão de juros (10h), que deve seguir em 0,75%. A expectativa se volta para as avaliações da autoridade monetária em torno do imbróglio sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), o chamado Brexit.

No Brasil, o BC publica o Relatório Trimestral de Inflação logo cedo, às 8h. O documento deve reiterar a mensagem de juros baixos por um período prolongado trazida ontem na ata da reunião de dezembro, eliminar de vez a possibilidade de novos cortes na Selic em 2019 e reforçando a indicação de estabilidade em 6,50% nos próximos meses.

Essa perspectiva deve ser corroborada na fala do presidente da autoridade monetária, Ilan Goldfajn, a partir das 10h. Durante apresentação do RTI referente ao último trimestre deste ano, porém, o BC deve mostrar certa cautela quanto aos próximos passos, reiterando a importância do avanço das reformas estruturais para a condução da taxa básica de juros.

Entre os indicadores econômicos domésticos, destaque para a confiança da indústria neste mês (8h). No exterior, a agenda norte-americana traz os pedidos semanais de auxílio-desemprego e o índice regional de atividade na Filadélfia, ambos às 11h30, além dos indicadores antecedentes nos EUA em novembro (13h).

No front político, pegou de surpresa a decisão do juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, de determinar a soltura de todos os presos com condenação após segunda instância, o que poderia beneficiar o ex-presidente Lula. Mas, horas depois, o presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu a liminar e marcou o julgamento pelo colegiado da Corte para abril, quando se completa um ano desde a prisão do líder petista.

Com isso, há quem diga que a notícia serviu para abafar o noticiário em torno do depoimento do ex-assessor de um dos filhos do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que estava previsto para ontem no Ministério Público do Rio de Janeiro. Fabrício José de Queiroz não compareceu para explicar a movimentação financeira suspeita de R$ 1,2 milhão durante um ano.

É válido lembrar que ele trabalhou como motorista para o senador eleito Flávio Bolsonaro e desde a divulgação da acusação, com base no Coaf, ninguém sabe onde Queiroz está. O caso tem gerado desgaste ao governo eleito ainda antes da posse e pode seguir como um ruído no curto prazo, trazendo complicações já no início do mandato.

Segundo advogados, Queiroz teve uma “inesperada crise de saúde” e estaria em atendimento médico. O depoimento do ex-assessor foi remarcado para a véspera do início das festas de fim de ano, na sexta-feira (dia 21). A notícia, porém, tende a seguir ofuscada, após o Congresso Nacional aprovar o Orçamento de 2019, aliviando a pressão no novo governo, apesar da previsão de um rombo de R$ 139 bilhões nas contas públicas ano que vem.

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