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Dilma e Cunha são afastados, mas corrupção continua


Dois presidentes, um da Câmara, Eduardo Cunha, e outro da República, Dilma Rousseff, foram afastados dos seus cargos em maio. Ele, pelos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) por ser réu na Operação Lava Jato pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, além de uso indevido do cargo público em benefício próprio. Ela, por 55 senadores, pelo crime de responsabilidade fiscal – embora existam argumentos contra e a favor de tal prática.

A decisão do Senado em afastar Dilma era tida como uma condição necessária para acabar com a corrupção no Brasil, após inúmeros escândalos de propina – principalmente na Petrobras – contaminar a opinião pública em relação aos responsáveis por tais esquemas de desvio de dinheiro. Com Dilma fora de cena, a Bovespa deveria alcançar os 60 mil pontos em um curto intervalo de tempo, enquanto o dólar viria abaixo de R$ 3,50, diante da euforia dos mercados domésticos com o fim da era do PT.

Mas essa festa nos ativos brasileiros não aconteceu, assim como tampouco tiveram fim as denúncias de corrupção. Ao contrário, as principais variáveis financeiras pioraram desde o dia 13 de maio, quando o vice-presidente, Michel Temer, passou a exercer a função de presidente, pelo prazo inicial de 180 dias.

Os juros longos subiram sensivelmente, em uma indicação de que os investidores – sobretudo estrangeiros - estavam demandando mais prêmio pelo risco de aplicar no Brasil, ao passo que o real acumulou a maior desvalorização frente ao dólar entre as moedas rivais, flertando a marca de R$ 3,60. A Bovespa, por sua vez, perdeu o nível psicológico dos 50 mil pontos, sendo negociada nos menores níveis desde abril, em meio à saída contínua de recursos externos da renda variável brasileira.

É óbvio que esse movimento teve a influência do ambiente externo, principalmente após o Federal Reserve ter sido claro em dizer que pretende elevar a taxa de juros em breve, possivelmente já no próximo mês. A mensagem cristalina foi trazida na ata da reunião do colegiado em abril, que citou a palavra “junho” seis vezes e colocou o mês à mesa como opção de um modo agressivo, indicando que irá agir logo.

Em discurso uma semana após a publicação do documento, a presidente do Fed, Janet Yellen, intensificou as impressões de que o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) está propenso em elevar os juros em mais 0,25 ponto percentual. Esse novo passo no processo de normalização monetária resgatou o movimento de “sell in may and go away” (“venda em maio e vá embora”), típico deste mês que antecede o período de férias (no Hemisfério Norte).

Os negócios locais não vão dar o braço a torcer, mas, além desse fator internacional, a largada ruim do governo interino causou apreensão, com os investidores se perguntando se Temer não tinha nenhuma medida pronta na gaveta. Afinal, ele não foi surpreendido ao assumir a Presidência. Trata-se, inclusive, de algo que ele vinha costurando nos bastidores, a fim de formar uma “equipe dos sonhos”.

De fato, o lado econômico tem seus méritos. Com Henrique Meirelles à frente do Ministério da Fazenda – o terceiro a assumir o cargo na Pasta desde a saída do mais longevo ocupante, Guido Mantega - e tendo como parceiro o economista Ilan Goldfajn no Banco Central, os investidores criaram expectativas elevadas, apostando que, com em um passe de mágica, todos os problemas econômicos no Brasil iriam se resolver.

As primeiras sinalizações soaram como melodia aos mercados, ao definir um “número realístico” de déficit de R$ 170,5 bilhões do Orçamento neste ano. A combinação de arrocho social, na saúde e na educação, com o fim da "poupança" do pré-sal aliada à indexação do gasto público, ao corte simbólico de cargos comissionados e ao uso do dinheiro devido do BNDES para abater a dívida do governo foram vistas como uma postura austera no lado fiscal, a fim de equilibrar a trajetória das contas públicas.

Por ora, não se falou de questões polêmicas, como a reforma da Previdência, com a definição de uma idade mínima para a aposentadoria, e leis de trabalho mais flexíveis, favorecendo o acordo direto entre empregado e empregador, bem como a terceirização da mão de obra, deixando a melhora do ambiente de negócios e da produtividade para outro momento. Mas são pilares que constam no programa de governo “Ponte para o futuro”, do PMDB.

Apesar de serem tidas como impopulares, Temer não parece se preocupar com uma onda de insatisfação da população, já que ele disse não pensar em reeleição em 2018. Porém, a nova rodada de gravações resultantes da delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado trouxe desconforto aos agentes econômicos e à classe política – mostrando que a corrupção não era uma exclusividade do PT.

Com apenas 11 dias de governo, o presidente interino sofreu a primeira baixa. O grande aliado e presidente do PMDB, Romero Jucá, então ministro do Planejamento, foi exonerado do cargo, após o vazamento de conversas telefônicas. Nelas, Jucá sugere um pacto para deter o avanço das investigações da Lava Jato e diz ser preciso “mudar o governo para estancar essa sangria” – política, e não da economia.

Os áudios divulgados envolvem também o presidente do Senado, Renan Calheiros – uma das peças centrais para o desfecho do processo de impeachment de Dilma na Casa. O mercado ainda trabalha com a saída definitiva dela, culminando na cassação dos direitos políticos e do mandato da presidente, mas a votação do mérito deve ficar apenas para agosto. E, até lá, muita coisa pode acontecer...

Por enquanto, a atual crise das gravações está em estágio embrionário, mas pode tornar a popularidade de Temer um empecilho, seja ao processo de impeachment, seja no comando da nação. Afinal, o maior problema é que os áudios envolvem lideranças do PMDB, na Câmara e no Senado, o que pode dificultar o futuro das votações mais críticas a serem colocadas pela equipe econômica, arranhando o apoio da base aliada, que já está de olho nas eleições municipais de outubro.

Vale lembrar que o placar da primeira votação no Senado dá vitória para a tese do impeachment, mas não há folga confortável no total de votos. Para aprovar o impeachment, é preciso dois terços dos senadores, o equivalente a 54 votos. Se for absolvida, Dilma volta ao cargo e dá continuidade a sua gestão e ao programa de governo eleito por 54 milhões de votos. Se for condenada, Temer assume, então, a presidência de modo definitivo, até o fim do mandato, em dezembro de 2017.

Nos próximos meses, então, o mercado doméstico irá pisar com cuidado nesse campo minado, com os olhos tanto para o que acontece lá fora quanto aqui dentro.

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