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O fator Cunha


De goleada, de novo. Por 11 votos a zero, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu afastar Eduardo Cunha do mandato de deputado e, consequentemente, da Presidência da Câmara, e esse fato inusitado deve cair como uma bomba nos mercados domésticos nesta sexta-feira, em dia de indicadores econômicos de peso, no Brasil e no exterior. Além de trazer incerteza em relação ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, cujo afastamento já é tido como certo, a saída de Cunha pode complicar um eventual governo Temer, que perderia o apoio da tropa de quase 200 fiéis aliados no Congresso.

Os investidores já estavam ressabiados em relação ao considerado "possível" governo Temer, uma vez que o próprio vice-presidente ainda não se manifestou sobre o que pode ser a sua gestão. Assim, a chance de decepcionar é grande, com muitos imaginando o que querem dele, mas ele mesmo não dizendo nada, pessoalmente. Ontem mesmo, o mais cotado para assumir o Ministério da Fazenda, o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles falou como se já estivesse no comando da Pasta.

Ele disse que é preciso ter "metas realistas" sobre os objetivos do governo, mas não deu detalhes sobre como irá cumprir o que promete em relação às contas públicas. Ciente desse jogo de cena, a Fitch se adiantou e seguiu a decisão da Standard & Poor's (S&P) de meses atrás, cortando em mais um degrau a nota de risco de crédito do país, dizendo que vai demorar para o Brasil voltar a ser grau de investimento.

Por outro lado, Cunha não está apenas impedido de estar na linha sucessória da Presidência da República, mas todas as ações adotadas por ele na Presidência da Câmara também podem ser questionadas – inclusive o pedido de impeachment de Dilma, acolhido por ele em dezembro passado. O advogado-geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, irá pedir, mais uma vez, a anulação do processo.

Agora, o argumento da AGU será de “desvio de finalidade” de Cunha, no sentido – também apontado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, há mais de cinco meses - de que ele usava o cargo para “finalidades estranhas” ao interesse público, agindo em benefício próprio. Afinal, “se Cunha não pode presidir a Câmara, como poderia presidir a sessão do impeachment?”, alega o partido do governo.

Assim, a decisão do STF pode provocar uma reviravolta na cena política, deixando indefinido o afastamento temporário de Dilma já na próxima quarta-feira. Hoje, os senadores da comissão especial votam o parecer do relator, a partir das 10h, e devem aprovar o documento, encaminhando a pauta ao plenário do Senado.

Nos bastidores, fala-se de um complô no STF e de uma disputa de egos inflados. A decisão de ontem do ministro Teori Zavascki de afastar Cunha teria o objetivo de desarmar a estratégia montada pelos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello. Os dois queriam colocar em julgamento a ação da Rede Sustentabilidade que, além de questionar a legitimidade de um réu da Lava Jato como presidente da República, determinava a anulação de todos os atos dele no cargo.

Em meio a esse deleite entre os três poderes, os investidores não podem se descuidar da agenda econômica. Até porque hoje é dia de divulgação do sempre aguardado relatório oficial do mercado de trabalho nos Estados Unidos (payroll), que pode calibrar as apostas em relação a um aperto da taxa de juros norte-americana já em junho.

O documento será divulgado às 9h30 e a expectativa é de geração de 190 mil vagas no país em abril, com a taxa de desemprego seguindo em 5% e o ganho médio por hora crescendo ao ritmo constante de 0,3% ao mês, a US$ 34,50, na média. Com a maior economia do mundo em situação de pleno emprego e renda em ascensão, o aumento de juros pelo Federal Reserve no próximo mês segue em aberto.

E essa dúvida tem deixado os investidores inquietos, elevando a cautela. Os mercados internacionais recuam hoje e caminham rumo a maior perda semanal desde fevereiro. O índice MSCI da Ásia-Pacífico caiu pelo quinto dia seguido, penalizado pelo tombo de 2,8% da Bolsa de Xangai hoje, na maior queda em dois meses; ao passo que as principais bolsas europeias recuam pela quinta vez em seis pregões, com as ações de mineradores e petrolíferas liderando a queda. Hong Kong, por sua vez, caiu mais de 5% nesta semana.

O pessimismo dos investidores com o crescimento econômico global somado ao vigor do mercado de trabalho norte-americano tem gerado apreensão em relação à alta dos juros nos EUA, enxugando a liquidez global e incitando uma busca por proteção. Essa preocupação, de que o payroll irá evidenciar que a maior economia do mundo está forte o suficiente para suportar mais um aperto monetário, atinge em cheio os mercados emergentes.

As moedas de países em desenvolvimento caminham para a maior queda acumulada em cinco dias ante o dólar em quatro meses, na mais longa série de perdas desde dezembro. A lira turca e o rand sul-africano têm desvalorização de quase 5%, cada, nesta semana. Nas commodities, o barril do petróleo testa a marca de US$ 44 e os metais básicos recuam, rumo à maior perda semanal desde 2013.

Ainda no calendário econômico norte-americano, à tarde, às 16h, sai o crédito ao consumidor nos EUA em março. Antes, no Brasil, serão conhecidos dados de inflação, no atacado e no varejo. Às 8h, sai o IGP-DI de abril, que deve desacelerar a 0,35%, mas seguir acima de 10% no acumulado dos últimos 12 meses.

Depois, às 9h, é a vez do índice oficial de preços ao consumidor (IPCA) no país, que deve ganhar força e subir 0,55% no mês passado. Ainda assim, será o menor resultado do indicador para meses de abril desde 2009, quando teve alta de 0,48%. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses deve seguir abaixo dos dois dígitos pelo segundo mês seguido, em 9,20%, no nível mais baixo para o período desde junho de 2015.

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