Metralhadora de ponto 100 mira governo
A delação do fim do mundo mal começou e a Odebrecht surge com uma metralhadora de ponto 100 disparando contra Brasília, tal qual previa o ex-presidente José Sarney em áudio. O vazamento de um dos 77 executivos da empreiteira que firmaram acordo com a força-tarefa da Lava Jato já preocupa o presidente Michel Temer. Afinal, as denúncias envolvem o atual governo como um todo e citam o nome de Temer, o "MT", mais de 40 vezes, deixando o momento político mais delicado, nesta véspera de votação da PEC do Teto.
Preocupado com o impacto da delação, Temer convocou uma reunião de emergência no domingo na capital federal e aliados falam em anular o depoimento ou até o acordo de delação, que pode ser invalidado por ter sido vazado. Mas agora que o estrago já foi feito, o efeito prático de uma "Operação Abafa" pode ser nulo e novos depoimentos ainda estão por vir, podendo implodir a classe política. A delação mais esperada é a do presidente Marcelo Odebrecht.
Até agora, o que se sabe é que um dos delatores citou 51 políticos de 11 partidos, explicando como era o relacionamento da empreiteira com o Congresso. O mais citado é o ex-ministro do Planejamento Romero Jucá, o "Caju", que havia pedido exoneração do cargo após a divulgação de uma gravação em que sugere um "pacto" para "estancar a sangria" da Lava Jato e que aparece 105 vezes no depoimento do ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho.
Segundo ele, Jucá fazia parte do "núcleo dominante" de propina no Senado, atuando em favor do PMDB em troca de propina por apoio à votação de medidas que interessassem à Odebrecht. Jucá atuava ao lado do presidente da Casa, Renan Calheiros, o "Justiça", e Eunício Oliveira, o "Índio". De acordo com Melo Filho, o grupo formado pelos três políticos "é bastante coeso e possui enorme influência sobre outros parlamentares".
Um dos episódios diz respeito à medida provisória que permitiu à Odebrecht economizar mais em impostos na indústria química. Mas se Jucá foi apontado como "o homem de frente" nas negociações da empreiteira no Congresso, Temer atuava de forma "indireta", incumbindo o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o "Primo", de operacionalizar pagamentos de campanha.
Padilha, aliás, tem quase o mesmo número de citações de Temer na delação. Mas nas eleições de 2014, o então vice-presidente teve um papel "relevante" e pediu R$ 10 milhões em jantar no Palácio do Jaburu, com a presença de Marcelo, a pretexto de campanha.
Outros nomes também mencionados na delação são o ex-deputado Eduardo Cunha, o "caranguejo" (37 vezes), e o atual secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco (35), que até hoje herda o apelido de "(gato) angorá", dado pelo antigo adversário Leonel Brizola. No topo da lista, atrás de Jucá, estão apenas o ex-secretário de governo Geddel Vieira Lima, o "Babel" (67), e Renan (60). A delação do executivo tem 82 páginas e ainda precisa ser homologada pelo STF.
Em meio às denúncias, fica difícil imaginar como o governo conseguirá dar continuidade às medidas e reformas sendo que os próprios aliados já veem riscos de Temer cair antes de 2018, com o Brasil tendo três presidentes em menos de quatro anos - tal qual a Argentina, na virada do século 21. Já há uma divisão entre os governistas, que avaliam desembarcar da base, em um descontentamento crescente desde o escândalo que afastou Geddel.
Mais que isso, como a equipe chefiada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, conseguirá convencer a população de que a pauta em curso no Congresso é, de fato, necessária para contornar a trajetória da dívida pública e retomar o crescimento econômico, após os depoimentos evidenciarem que as medidas tinha interesses particulares - e escusos. Além disso, a incerteza no fronte político prejudica a confiança dos empresários em retomar os investimentos e fazer a roda da economia voltar a girar.
Diante dessa crescente onda de potenciais destrutivos, o maior temor do Palácio do Planalto é de que a delação premiada da Odebrecht seja incluída no processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e investiga irregularidades na última campanha presidencial. Os executivos podem levantar novas suspeitas sobre a origem das doações feitas e cassar a chapa Dilma-Temer.
Esse movimento acontece em meio a uma crescente reprovação popular do governo Temer, que pode se transformar em tensão social. Pesquisa Datafolha mostra que a popularidade do presidente desabou e 51% consideram a gestão atual ruim ou péssima, de 31% em julho. Os que consideram o governo ótimo ou bom caiu de 14% para 10%.
Por isso, a palavra de ordem no Planalto é cautela, a fim de acompanhar os desdobramentos das denúncias e torcendo para a poeira baixar. Nesse sentido, será interessante observar o discurso a ser adotada por Temer e Meirelles em um evento que ambos participação hoje, na capital paulista, à noite. Na hora do almoço, Meireles participa de uma confraternização, ao lado do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn.
A cautela também é recomendável aos mercados domésticos, mas a reação dos investidores hoje pode ser decisiva para determinar a evolução dessa grave crise. Após o desfecho do embate entre Legislativo e Judiciário na semana passada, o mercado estava convencido de que a proposta (PEC) que fixa um teto para os gastos públicos por até 20 anos seria aprovada com folga e abriria caminho para mudar as regras da aposentadoria.
Ainda se espera que a medida seja colocada em votação amanhã, em segundo turno. Na primeira volta, a matéria recebeu 61 votos e, na sessão do dia 13, é necessário o apoio de pelo menos 49 senadores.
Também na terça-feira, sai o resultado das vendas no varejo brasileiro em outubro, que devem seguir em queda, refletindo a renda baixa da população, prejudicada pelo desemprego alto. Esses números, ao lado dos dados do setor de serviços (quarta-feira), servem de termômetro para o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br), na quinta-feira, tido como uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB) no último trimestre deste ano.
Antes, porém, na quarta-feira, o radar se volta ao exterior, onde o Federal Reserve anuncia a decisão de política monetária. A expectativa é de que a taxa de juros norte-americana subirá mais 0,25 ponto percentual, na segunda alta nessa magnitude em um ano, com a chamada Fed Funds Rate (FFR) situando-se no intervalo entre 0,50% e 0,75%.
O anúncio será seguido por uma coletiva de imprensa da presidente do Fed, Janet Yellen, e também será acompanhado da divulgação das projeções para os indicadores de inflação, juros, emprego e atividade nos EUA. Também na quarta-feira, saem os dados do comércio varejista e da produção industrial no país em novembro.
Um dia depois, tem ainda o índice de preços ao consumidor norte-americano (CPI). A zona do euro também anuncia dados de atividade na indústria, na quarta-feira, e de inflação no mês passado, na sexta-feira. Entre um dia e outro, fora da região da moeda única, sai a decisão do BC inglês (BoE). Antes, na virada de terça para quarta-feira, a China informa o desempenho da indústria e do varejo em novembro.
Mas hoje quem rouba a cena no exterior é o petróleo. O barril da commodity sobe mais de 5% em Londres e em Nova York, com o WTI cotado nos maiores níveis desde julho de 2015, após os países produtores que não fazem parte do cartel da Opep também concordarem em cortar a produção. O movimento mostra que a Opep conseguiu superar um obstáculo significativo para estabilizar os preços do petróleo e visa balancear as condições de oferta à demanda. Os metais básicos também avançam.
As ações de empresas de energia também têm ganhos firmes, mas não foram suficientes para segurar as bolsas de Hong Kong (-1,5%) e de Xangai (-2,5%) em alta, que foram penalizadas pelo setor imobiliário. Já na Bolsa de Tóquio o avanço dos papéis de exportadores zerou as perdas acumuladas no ano pelo índice Nikkei (0,8%). No Ocidente, os índices futuros das bolsas de Nova York mostram fôlego reduzido, contaminando a abertura do pregão na Europa.
Entre as moedas, o dólar perde terreno para as divisas de países produtores e exportadores de petróleo - como o dólar canadense, o peso mexicano e a coroa norueguesa. Mas a moeda norte-americana mede forças ante os demais rivais, recuando ante o euro e a libra, mas avançando frente à lira turca e o won sul-coreano.