Startup unicórnio: o sonho pode virar pesadelo
Mercado privado enfrenta ventos contrários e tendência de maior concentração
Uma startup que pode virar um unicórnio. Esse é o sonho do mercado de private equity. Para quem não está acostumado com o economês, trata-se de um investimento em empresas recém-criadas que têm potencial de atingir um valor de mercado de US$ 1 bilhão. É para isso que existem os fundos de private equity.
Esse tipo de fundo investe em empresas não listadas em bolsa e ainda em fase de desenvolvimento, mas que têm um modelo de negócios inovador - muitas vezes, do setor de tecnologia - com característica disruptiva, escalável e repetível. Esses fundos injetam recursos e participam da gestão, visando ganhos lá na frente - em caso de desinvestimento.
O Nubank está entre um dos grandes exemplos de empresas unicórnios brasileiras.
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No mundo, a ByteDance, dona do TikTok, manteve-se como o unicórnio mais valioso do mundo pelo segundo ano consecutivo. Daí porque não será tão fácil assim vender as operações do aplicativo de vídeo curto nos Estados Unidos.
Mas o foco aqui é o mercado privado - e não esse animal mitológico que tem a forma de um cavalo e um único chifre em espiral. Relatório da McKinsey & Company, divulgado no fim de março, mostra que as operações de private equity entraram em uma era mais lenta.
De acordo com a análise global de 2023, os ventos macroeconômicos contrários, os custos crescentes de financiamentos e uma perspectiva incerta de crescimento pesam na captação de recursos para os fundos, no anúncio de novos negócios e, claro, no desempenho (dos fundos e das empresas).
“Os ventos favoráveis que duraram uma década, resultante de taxas de juros baixas e negativas no mundo e de múltiplos em expansão consistente, parecem ser coisa do passado” - McKinsey Global Private Markets Review 2024
Ainda segundo a consultoria norte-americana, a arrecadação de fundos caiu 22% nas classes de ativos do mercado privado globalmente, para pouco mais de US$ 1 trilhão. Trata-se do valor mais baixo desde 2017.
Além disso, entre as 50 maiores empresas globais de private equity, 36 são dos Estados Unidos. Juntas, essas gestoras levantaram US$ 1,4 trilhão em capital nos últimos cinco anos. Na liderança, está a gigante Blackstone, que arrecadou US$ 125,6 bilhões entre 2018 e 2023. Com US$ 103,7 bilhões, está o vice KKR - que, aliás, investe na ByteDance.
E no Brasil?
Já no Brasil, a soma dos valores das operações de private equity cresceram 19% em 2023, em base anual. Foi o primeiro aumento desde 2020. No ano passado, o segmento fechou com R$ 22,7 bilhões em investimentos. No entanto, houve uma queda de 5% das operações, totalizando 75, de 79 em 2022.
Os dados são da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP). Combinados ao levantamento da McKinsey, conclui-se que o desafio dos gestores do mercado de private equity é impulsionar o desempenho dos fundos nesta “nova era”, visando combinar crescimento de receitas e expansão das margens.
"Pode-se dizer que há uma seletividade e um rigor maior nos aportes em empresas em fase inicial. O dever de casa da indústria no Brasil é continuar mostrando resultados a partir dos aportes recebidos, apresentar soluções nas áreas que mais despontam, como IA, ESG e soluções financeiras, e fazer eventuais ajustes de valuation”, destaca Priscila Rodrigues, presidente da ABVCAP.
Com isso, a crise da Superbac, meses após obter um aporte de R$ 300 milhões do fundo de private equity da XP, pode ser apenas uma brisa leve do furacão que tende a sacudir o mercado privado. A empresa de biotecnologia está na antessala da recuperação judicial.
A boa notícia é que os ventos contrários não abalaram gestores e veículos maiores, que figuram entre as maiores estratégias de aquisição de private equity no mundo. Ou seja, a tendência de maior concentração de captação de recursos se mantém. Assim, qualquer retomada de apetite entre os gestores de private equity no Brasil, como prevê a ABVCAP, indica turbulência à frente.