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Vida longa aos bancos centrais


A virada excepcional do mercado financeiro ontem, na esteira da notícia de que o Federal Reserve vai comprar amplo portfólio de títulos corporativos nos Estados Unidos, ainda sustenta os ativos de risco nesta manhã. A sensação é de que os estímulos lançados pelo Fed se sobrepõem a tudo e a todos, revertendo qualquer força contrária dos investidores, que ainda debatem se uma nova onda de contágio de coronavírus está emergindo.


Trata-se de um exemplo clássico do adágio conhecido em Wall Street pela sigla TINA (There is no alternative). Ou seja, enquanto o Fed estiver expandindo seu balanço através da emissão de recursos, não há alternativa. Desafiar essa injeção colossal de liquidez jorrada no mercado financeiro é tentar remar contra a maré, sendo que a força dos bancos centrais tende a prevalecer. Assim, os investidores acabam surfando nessa onda.


Por isso, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram no azul, com ganhos ao redor de 1%, o que embala a abertura do pregão europeu, onde as principais praças têm alta acelerada, de mais de 2%, após uma sessão positiva na Ásia. Seul conduziu o movimento, subindo mais de 5%, e acompanhada de perto por Tóquio (+4,9%). Hong Kong avançou 2,5%, enquanto Xangai cresceu menos de 1%. O petróleo e o dólar estão de lado.


Esse movimento orquestrado das bolsas internacionais, que deve animar o Ibovespa hoje, é amparado pela generosidade do Fed, que informou ontem que começará a comprar uma carteira ampla e diversificada de títulos corporativos (corporate bonds), estendendo, portanto, o programa de recompra de bônus que até então estava limitado à compra de fundos negociados em bolsas de valores - os chamados ETFs. A essa notícia soma-se a decisão do BC japonês (BoJ) de estender o pacote de empréstimos corporativos para cerca de US$ 1 trilhão.


O problema é que, além de adicionar liquidez, a atuação sincronizada dos bancos centrais também provoca distorções no mercado financeiro, ampliando o momento de “exuberância irracional” - para lembrar a famosa frase do ex-presidente do Fed Alan Greenspan. Essa disfuncionalidade sustentada pelos BCs permite uma rápida recuperação dos negócios globais com ações e outros ativos mais arriscados, como as moedas de países emergentes.


Enquanto isso, a economia real segue sofrendo os impactos da pandemia de Covid-19, com a rápida recuperação da atividade (e do emprego e da renda) sendo colocada em xeque em meio aos riscos de uma segunda fase de contaminação de coronavírus - ou simplesmente uma continuidade da primeira onda, que não foi totalmente contida. Assim, ao invés de uma retomada em forma de “V”, o que se tem visto é um aumento dos casos do Vírus.


Portanto, não se deve pensar que não haverá risco, em um futuro próximo, nesse modelo econômico rico em ativos financeiros, mas pobre em termos de renda e dinâmica social, quando a Covid-19 desaparecer. E quando o mercado financeiro se der conta de que nem o Fed será capaz de resolver todos os problemas econômicos e financeiros do mundo, a situação pode ficar feia - e de forma rápida e abrupta.


Mas isso ainda pode levar algum tempo. E, até lá, os estímulos monetários e fiscais lançados pelos bancos centrais e governos de países desenvolvidos continuarão alimentando o apetite por risco dos investidores, ampliando o descolamento do negociado no ilusório mercado financeiro das economias reais e dos estragos que o coronavírus vêm causando. Ao menos, deve haver alguma volatilidade, diante do cenário de incertezas.


Atividade e Powell em destaque


A agenda econômica do dia está repleta de indicadores e eventos relevantes. Os destaques ficam com dados de atividade no Brasil e nos EUA, que ainda devem ser impactados pelos medidas de bloqueio. Aqui, o comércio varejista deve ter amargado perdas de dois dígitos em abril, em meio à restrição no consumo e ao fechamento de lojas e shoppings.


Os números oficiais serão conhecidos às 9h. Já nos EUA, os dados de maio das vendas no varejo (9h30) e da produção industrial (10h15) devem mostrar recuperação acentuada, após o tombo no mês anterior, à medida que teve início a reabertura da economia. Ainda assim, o Federal Reserve mostrou-se preocupado quanto à retomada do país pós-pandemia.


Por isso, também merece atenção hoje a participação do presidente do Fed, Jerome Powell, em audiência de comissão do Senado, a partir das 11h. Será a primeira aparição pública dele desde a reunião da semana passada, quando as previsões sombrias para a melhora da economia dos EUA - principalmente do emprego - minaram a confiança dos investidores.


O calendário econômico traz também, no Brasil, o primeiro IGP do mês, o IGP-10 (8h). Já no exterior, a agenda norte-americana reserva ainda os estoques das empresas em abril e o índice de confiança das construtoras em junho, ambos às 11h. Logo cedo, na zona do euro, sai o índice ZEW de sentimento econômico na região.



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