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Mercado fora de compasso


Depois de o mercado financeiro passar os últimos dois meses em um universo paralelo, com Wall Street conduzindo uma dança nada ordenada com a economia real, os índices Dow Jones e S&P 500 amargaram fortes perdas ontem. O tombo já contrata um ajuste negativo ao Ibovespa nesta volta do feriado de Corpus Christi, apesar dos ganhos de mais de 1% exibidos pelos futuros das bolsas de Nova York nesta manhã.


As principais bolsas europeias sofrem para encontrar uma direção logo após a abertura do pregão, depois de o índice referencial da região, o Stoxx Europe 600 cair 4% ontem, na maior queda desde o fim de março e no terceiro recuo seguido. Na Ásia, as perdas foram mais moderadas e lideradas por Hong Kong (-1%). Já o petróleo, que recuou 8% ontem, no pior dia em seis semanas, hoje cai mais de 2%. O dólar também perde terreno.


Diante disso, a Bolsa brasileira deve se afastar ainda mais da faixa dos 100 mil pontos hoje, após encerrar a última sessão já abaixo dos 95 mil pontos, refletindo as quedas dos recibos de depósito de ações (ADRs) e do principal índice do Brasil (EWZ) negociados em Nova York ontem. O dólar também deve sofrer renovada pressão, podendo se aproximar da (ou até superar a) marca de R$ 5,00.


O mercado financeiro global abandonou o rali frenético diante do aumento da preocupação com os riscos de uma segunda onda de Covid-19 em vários lugares que reabriram suas economias sem planejamento e/ou controle da curva de contágio - o que inclui o Brasil. O receio é de que a atividade seja interrompida novamente, e com medidas mais drásticas, adiando a recuperação econômica após meses de bloqueio.


Mas o secretário do Tesouro nos Estados Unidos, Steven Mnuchin, disse que fechar a economia do país pela segunda vez não é uma opção viável, pois pode fazer “muito mal”. De qualquer forma, fica a sensação de que os ativos globais subiram demais, e muito rápido, em um ritmo desproporcional à velocidade da economia real, com os índices acionários em Wall Street subindo mais de 30% desde o fundo alcançado em março.


Enquanto isso, o número de infecções nos EUA pela doença atingiu ontem a marca de 2 milhões, com mais de 112 mil óbitos. E novos casos ainda crescem em ao menos 20 estados. O Texas reportou o recorde de 2,5 mil novos casos em apenas um dia; na Flórida, um mês após a reabertura, foram registrados mais de 8,5 mil novos casos em uma semana; e na Califórnia, as internações estão no maior nível desde maio.


Wall Street X Main Street


Os investidores também reagem às previsões sombrias do Federal Reserve para a economia dos EUA. Na última quarta-feira, o Fed indicou que espera uma retração de 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país neste ano, com a taxa de desemprego encerrando 2020 em 9,3% e não voltando ao nível pré-pandemia, de 3,5%, antes do fim de 2022 - apesar da queda semanal nos pedidos de seguro-desemprego desde março e da surpresa positiva com o relatório de emprego (payroll) em maio.


Por mais que se espere uma retomada em “V”, com o PIB crescendo 5% no ano que vem, mas depois desacelerando para 3,5% em 2022, será “um longo caminho”, disse o presidente do Fed, Jerome Powell, lembrando que são mais de 20 milhões de desempregados. Segundo ele, há muita incerteza por causa do coronavírus e os negócios da Main Street (pequenas e médias empresas) ainda precisam ser salvos.


O presidente Donald Trump até que tentou animar Wall Street ontem, dizendo que o Fed “está errado com tanta frequência” e que 2021 “será um dos melhores de todos os anos”. Mas não funcionou. Ao final do pregão de quinta-feira, o Dow Jones sucumbiu quase 2 mil pontos (-6,9%), no maior tombo desde meados de março; o S&P 500 perdeu pouco menos de 6%, enquanto o Nasdaq cedeu 5,1%, um dia após fechar acima dos 10 mil pontos.


As declarações de Powell mostram que havia um oba-oba fora de compasso do mercado financeiro com a economia real. Trata-se de algo que já vinha sendo alertado, inclusive aqui, com esse descolamento da realidade se dando por causa da emissão monetária pelos bancos centrais - especialmente o Fed. “A alta em Wall Street é irmã siamesa [da expansão] do balanço Fed”, afirmou uma fonte no início do mês.


Amparados pela colossal liquidez injetada pelos BCs somada aos pacotes fiscais trilionários lançados pelos governos de vários países, os ativos de risco globais resolveram voltar ao “normal” de antes, ou seja, aos níveis pré-pandemia, como se nada tivesse acontecido. Tal comportamento põe em xeque a sustentabilidade dessa estratégia - também adotada em 2008, pois “quando voltarmos ao normal, nada mais será normal”, observou a mesma fonte.


Afinal, com tantas empresas tendo dificuldades para honrar seus compromissos, em meio ao acesso restrito ao crédito, e fazendo previsões de prejuízos bilionários, os investidores resolveram simplesmente não se importar com os fundamentos macroeconômicos. Mas o que pode prejudicar esse sentimento humano é justamente uma segunda onda de contaminações por Covid-19 ou um nível de desemprego tão elevado causando uma recessão maior que o esperado.


Agenda sem destaques


A sexta-feira espremida entre o feriado ontem no Brasil e o fim de semana esvazia a agenda econômica doméstica. Já no exterior, o calendário norte-americano traz os preços de importação e de exportação em maio (9h30), além da versão preliminar deste mês do índice de confiança do consumidor (11h). Logo cedo, sai o desempenho da indústria na zona do euro.


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