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É muito vespeiro


No dia em que o Banco Central caminha para renovar o piso histórico da Selic, o mercado financeiro deve se dar conta de que é preciso muito mais do que apenas ter taxa de juros de país desenvolvido. A turbulência no cenário político local e o novo recorde de mortes por Covid-19 no Brasil, que caminha para ser o novo epicentro da doença, relembram os investidores de que não basta se escorar no bom humor dos mercados internacionais.


Ainda mais com as agências de classificação de risco segurando uma “espada sobre o pescoço” do Brasil. Ontem à noite, a Fitch foi além da Standard & Poor’s (S&P) e revisou para negativa a nota a perspectiva da nota de risco de crédito soberano (rating) do país, citando a piora das perspectivas econômicas e fiscais, bem como as renovadas incertezas políticas e em relação à duração da intensidade da pandemia de coronavírus por aqui.


Mas há quem diga que o depoimento do ex-ministro Sergio Moro trouxe poucas novidades e carece de provas, devendo ser visto com descrença nos mercados. O foco, então, está na estratégia do governo, que prefere mexer em vespeiro e atacar quando se sente ameaçado.


Tanto que, assim como fez com os governadores em relação aos óbitos e aos danos econômicos por causa pela tentativa de combate ao coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro acusou Moro de crime federal. De quebra, ele mandou um “cala a boca” aos jornalistas presentes na portaria do Alvorada.


Horas depois, a íntegra do depoimento do ex-juiz à PF já estava disponível, reafirmando as acusações de que Bolsonaro tentou interferir no trabalho da PF, por meio da troca de cargos e de acesso a inquéritos relacionados a familiares. O ex-ministro, porém, evitou acusar diretamente o presidente, alegando que as motivações precisam ser investigadas.


As alegações levaram o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello a determinar que o inquérito tramite com “ampla publicidade”, já que a investigação envolve o presidente da República. Com isso, depoimentos de ministros e outros citados por Moro não terão sigilo e estarão constantemente nas manchetes.


Aliás, Celso de Mello já deu um prazo de 72 horas para que o governo entregue as gravações de reunião citada por Moro em depoimento, na qual estavam presentes Bolsonaro; o vice, Hamilton Mourão, e ministros. Na ocasião, o presidente teria cobrado a substituição do superintendente da PF do Rio de Janeiro e do diretor-geral da PF, além de informações.


Diante disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidiu investigar os motivos para a troca da Superintendência da PF no Rio, feita ontem por Bolsonaro, em um desdobramento do inquérito aberto pelo STF. Ao mesmo tempo, a PGR avalia se Moro pode ser também contestado na área criminal e vê como improvável uma denúncia contra o presidente.


Ou seja, por mais que os fatos ainda sejam incipientes, o ambiente político é pesado e os impactos dessa turbulência podem elevar a pressão nos ativos locais, provocando uma fuga do risco. Mas é cedo para dizer se tais episódios, e o desenrolar das próximas cenas, irão motivar um pedido de impeachment de Bolsonaro.


Talvez, sirva apenas para esquentar o debate da próxima eleição presidencial. Afinal, um processo moroso de afastamento do presidente no meio de uma pandemia não deve sair nada barato. E, se ele conseguir manter o mandato até 2022, pode ser uma vitória pírrica, obtida a um alto preço - fiscal, principalmente.


Agenda também é relevante


Em meio a todo esse noticiário, fica difícil saber qual será a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) hoje, a partir das 18h. A expectativa majoritária ainda é de corte de meio ponto (0,50 pp), levando a Selic para o piso histórico de 3,25%, mas os riscos estão crescentes, ao mesmo tempo em que a potência dos estímulos parece menor..


Se confirmada a expectativa, será a sétima queda seguida na taxa básica, com o BC estendendo o afrouxamento monetário e mantendo o ritmo de cortes visto no encontro anterior, em março. Diante disso, as atenções se voltam ao comunicado, que pode sinalizar novas quedas à frente ou, novamente, indicar o fim do ciclo, iniciado em julho de 2019.


Ainda assim, o mercado de juros futuros deve dedicar a sessão de hoje aos últimos ajustes antes da decisão do Copom, sendo que a movimentação dos prêmios na curva a termo tende a influenciar o comportamento do dólar. Ontem, a moeda norte-americana fechou colada à faixa de R$ 5,60 e pode sofrer renovada pressão de alta hoje.


Aliás, antes do anúncio do Copom, o BC entra em cena para divulgar os dados de abril (e do acumulado do ano) sobre a entrada e saída de dólares do país (fluxo cambial). Os números serão conhecidos às 14h30 e devem reforçar a tendência de retirada expressiva de capital estrangeiro pela conta financeira, que não é compensada pela via comercial.


Já no exterior, o destaque fica com os dados da ADP sobre o total de vagas de emprego no setor privado dos Estados Unidos (9h15) em abril. A previsão é de eliminação de 21 milhões de postos de trabalho nas empresas norte-americanas, por causa das medidas de bloqueio (lockdown) e refletindo os milhões de pedidos de auxílio-desemprego feitos no país ao longo das últimas semanas, em meio ao contexto da pandemia de coronavírus.


Ainda no calendário econômico norte-americano, saem os estoques semanais de petróleo bruto e derivados nos EUA (11h30). No fim do dia, a China deve informar o índice dos gerentes de compras (PMI) do setor de serviços e também os dados da balança comercial, ambos referentes ao mês passado.


Exterior tranquilo


No exterior, o ambiente parece muito mais tranquilo. Mas se engana quem apenas olha o sinal positivo sinalizado pelos índices futuros das bolsas de Nova York. A direção para o dia em Wall Street vai depender dos números a serem divulgados pela ADP sobre o emprego no setor privado. A safra de balanços também tem influenciado os negócios por lá.


Na Europa, as principais bolsas já mostram fôlego reduzido para seguir em frente e são pressionadas pela queda recorde nas encomendas às fábricas alemãs. Os pedidos à indústria despencaram 15,6% em março, em base anual, no maior recuo desde o início da série histórica do indicador, em 1991. A previsão era de um tombo menor, de -10%.


Na Ásia, a Bolsa de Tóquio permaneceu fechada, enquanto Xangai voltou do feriado prolongado com pouco brilho. O índice Xangai Composto fechou em alta de 0,6%, enquanto a Bolsa de Hong Kong avançou 1,1%. Nos demais mercados, o dólar avança, enquanto o petróleo oscila.


De um modo geral, os investidores seguem atentos à reabertura das principais economias, mas sabem que uma decisão prematura pode levar a uma segunda onda de contágio, dando um duro golpe à recuperação global pós-pandemia. Mesmo assim, o presidente Donald Trump disse que é preciso encerrar os bloqueios, ainda que isso signifique mais mortes por coronavírus.


Ao que tudo indica, o candidato à reeleição parece se aproveitar do fato de que a opinião pública norte-americano aceitou as mais de mil mortes diárias e aposta que um novo pico de óbitos e casos confirmados da doença irá aparecer somente depois de novembro, quando ocorre o pleito. A sangue frio.


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