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Cada qual com a sua guerra


O anúncio de um "grande evento" na Coreia do Norte, que disse aos jornalistas estrangeiros para se preparem para um dia importante, deixa os mercados financeiros em alerta nesta quinta-feira. A expectativa é de que Kim Jong-un faça um novo teste nuclear nas próximas horas, o que eleva a cautela nos negócios lá fora e tende a redobrar a postura defensiva por aqui, após vídeos das delações premiadas de executivos da Odebrecht detalharem o caminho da propina a vários políticos.

Nesse ambiente, os investidores ainda precisam repercutir a decisão do Banco Central, ontem à noite, que confirmou a previsão e cortou a taxa básica de juros (Selic) em um ponto porcentual (pp), na maior queda desde 2009, acelerando o passo em relação às decisões anteriores. Para o BC, essa "intensificação moderada" mostra-se "adequada".

No comunicado, a autoridade monetária afirma que tem espaço para levar a Selic a 8,5% até o fim deste ano, diante da dinâmica da atividade e da trajetória da inflação. Mas o BC também apontou os riscos concretos a esse cenário, lançando luz sobre a necessidade da contribuição do lado fiscal para a eficácia da política monetária, a sustentabilidade da desinflação e a redução da taxa de juros estrutural.

E é aí que pesam os desdobramentos da “Lista de Fachin”, pois trazem dúvidas quanto ao andamento das reformas no Congresso. Apesar do sangue-frio exibido pelos negócios locais ontem, qualquer avaliação conclusiva em relação ao mais recente episódio de crise política será precipitada. O que não se sabe é até quando vai durar essa sensação de tranquilidade e de normalidade que governo (e mercado) tentam manter...

A aposta é de que vai ser difícil manter os nervos controlados com Brasília, ainda mais após a divulgação das primeiras imagens e áudios com detalhes dos delatores sobre as tratativas para pagamento de propina a políticos com foro privilegiado. Nesta véspera de feriado, que deve trazer mais novidades, todo cuidado é pouco.

O temor é de que a divulgação do conteúdo das delações de executivos da Odebrecht cause um estrago político de alcance muito maior e ameace colocar a perder a reforma da Previdência. É válido lembrar que o que definiu a queda da ex-presidente Dilma Rousseff foi um áudio vazado pelo juiz Sérgio Moro e transmitido em rede nacional.

E pouco adianta querer desviar o foco para outros alvos de investigação, sem foro privilegiado, quando peças importantes do núcleo do governo Temer e vários partidos da base aliada são investigados. São 900 horas de gravação com os depoimentos de quase 80 executivos, sendo que nem o governo nem a oposição tem teto de vidro para tirarem proveito de tais eventos.

A própria decisão do presidente Michel Temer de só afastar ministros que virarem réus pode cair por terra à medida que verificar a gravidade de cada acusação. Se a coisa ficar feia, vai ser complicado Temer sustentar sua equipe e manter o governo funcionando, deixando o "Judiciário agir, sem paralisar o Legislativo".

As primeiras declarações do presidente, na esteira da divulgação da “Lista de Fachin”, já estão sob suspeita. Afinal, os parlamentares podem tanto agir para desviar o foco das investigações, indo para o “ou tudo ou nada” e anistiar o crime de caixa 2, como também podem largar de vez a pauta de votações – principalmente aqueles que escaparam da lista e que não devem se mostrar dispostos em ir para o sacrifício.

Para o vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho, o governo terá dificuldades em aprovar a agenda de reformas, após a abertura de inquéritos contra políticos. Segundo ele, o governo deveria recolher a proposta de mudança de regras na aposentadoria e discutir a questão com a sociedade. “Melhor recolher do que perder”, disse.

Seja qual for a estratégia adotada, o fato é que as delações da Odebrecht enfraquecem o governo Temer e embaralham a sucessão presidencial em 2018 - o que é o grande temor dos investidores, que ficam sem saber que deve assumir o país na virada da década. Afinal, os inquéritos abertos atingiram em cheio os principais candidatos, deixando a disputa ainda mais imprevisível.

Imprevisível também é o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Após semanas de relativa calmaria nos mercados, os investidores estão tentando entender as intervenções de Trump, que elevam os riscos geopolíticos, enquanto ainda digerem o fim da era do dinheiro fácil via os estímulos dos bancos centrais e aguardam as principais eleições na Europa.

Por enquanto, os mercados internacionais ainda ecoam a fala do republicano ontem, dizendo que o dólar está "muito forte" e isso é culpa dele, "porque as pessoas confiam em mim"; e sinalizando que Janet Yellen pode continuar à frente do Federal reserve após 2018. As declarações enfraquecem a moeda e enxugam o prêmio dos títulos norte-americanos (Treasuries), mas não animam as commodities.

Trump também abandonou a promessa de campanha e disse que não irá classificar a China como um país "manipulador da moeda", em meio às críticas internacionais sobre o uso do renminbi (yuan) como âncora cambial, sustentado a preços artificiais. Para Trump, um acordo comercial com Pequim depende da ajuda em relação à Coreia do Norte.

E é esse país que desponta como o maior risco do dia. Enquanto Rússia e EUA ainda tentam se entender em relação à Síria, a imprensa estrangeira deslocou-se para Pyongyang, após ter sido instruída a preparar-se para um "grande e importante evento". Cerca de 200 jornalistas estão na capital, às vésperas do chamado "Dia do Sol", o maior feriado nacional, que comemora o nascimento do fundador do país, pai de Kim.

Com as atenções voltadas à capital norte-coreanos, o sinal negativo prevalece nas bolsas. O pregão na Europa é contaminado pelo desempenho em Wall Street, após um sessão de perdas na Ásia. Nem mesmo o salto na balança comercial chinesa em março embalou os negócios na região, mas Xangai fechou com leves ganhos (+0,7%).

Em termos dolarizados, as exportações da China cresceram 16,4% em relação a um ano antes, bem acima da previsão de alta de 4,3%, enquanto as importações avançaram 20,3% no mesmo período, ante estimativa de +15,3%. O superávit comercial alcançou US$ 23,9 bilhões e reflete mais o aumento dos preços do que dos volumes.

Ainda na agenda econômica do dia, será conhecido mais um indicador sobre a atividade doméstica. Desta vez, sobre o setor de serviços em fevereiro (9h), que deve mostrar alguma devolução da forte queda registrada em janeiro.

No exterior, saem o índice de preços ao produtor norte-americano (PPI) em março e os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos nos EUA, ambos às 9h30, além da leitura preliminar de abril da confiança do consumidor (11h).

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