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Junho foi o mês das expectativas, não confirmadas


O mês de junho foi marcado por uma série de expectativas nos mercados financeiros, mas a maioria delas não se confirmou. A maior de todas essas expectativas referia-se à votação no Reino Unido sobre a permanência (ou não) na União Europeia (UE). A vitória do chamado "Brexit" por uma margem apertada, de 52% a 48%, provocou uma avalanche nos ativos de risco, diante das incertezas econômicas e geopolíticas que tal fenômeno pode provocar.

A derrota do esperado "Fico" britânico eliminou qualquer otimismo que pudesse vigorar nos negócios globais, após os números fracos sobre o mercado de trabalho nos Estados Unidos em maio praticamente dizimarem a possibilidade de um novo aperto na taxa de juros norte-americana no curto prazo. A menor criação mensal de vagas de emprego nos EUA em seis anos zerou as apostas de uma alta pelo Federal Reserve em 2016, encerrando o debate sobre se o movimento ocorreria em junho, setembro ou dezembro.

O chamado payroll, logo no início do mês, frustrou a espera pelo próximo passo do Fed no processo de normalização monetária e abriu espaço para calibrar as expectativas em relação ao referendo no Reino Unido, ocorrido no dia 23. Dias antes da votação, a trágica morte de uma parlamentar, favorável à permanência da ilha britânica no bloco comum do Velho Continente, reprecificou nos mercados essa possibilidade.

Assim, a decisão pelo Brexit tornou-se um cisne negro nos mercados globais, enxugando mais de US$ 4 trilhões em ativos em poucos dias. A primeira reação dos investidores a esse evento totalmente fora da curva foi de fugir do risco, afundando bolsas e commodities pelo mundo e buscando proteção em moedas e títulos seguros, como o franco suíço e os bônus dos EUA (Treasuries).

Na Europa, o índice Stoxx Europe 600 caiu mais de 10% em dois dias, no maior tombo desde a crise pós-colapso do Lehman Brothers, em 2008. A libra esterlina, por sua vez, caiu ao menor nível desde 1985, na faixa de US$ 1,30, ao passo que a T-note de 10 anos atingiu o rendimento (yield) mais baixo em quatro anos, valendo menos de 1,5%.

Os ativos de países emergentes não ficaram de fora dessa queda repentina. Com o petróleo firmando-se abaixo da marca de US$ 50 o barril, as moedas de países produtores da commodity caíram em bloco, como se tudo estivesse sendo atingido pelo Brexit.

Mas, passado o choque com a decisão da Grã-Bretanha de sair da UE, os negócios se recompuseram nos últimos dias de junho, com os investidores tentando entender as implicações do Brexit para o futuro.

Uma delas é que os custos de importação do petróleo, do gás natural e dos metais industriais vão subir, beneficiando justamente os preços das commodities e os países exportadores. A outra é que a liquidez oferecida pelos principais bancos centrais globais tende a se manter - ou até mesmo a se expandir, já que muitas empresas com operações no Reino Unido ou na Europa podem sofrer impactos em suas receitas e precisar de socorro financeiro.

Nesse sentido, o Fed deve postergar ainda mais a elevação dos juros nos EUA para além de 2016, enquanto o BC inglês (BoE) está inclinado a renovar o mínimo histórico da taxa básica e se unir ao seleto grupo de países com juro zero (ou abaixo disso). Na zona do euro, o BCE pode implementar novas linhas emergenciais, ao passo que são esperadas intervenções do BC japonês (BoJ) no câmbio, provendo dólares aos bancos e combatendo uma valorização frenética do iene, que já vale mais de 100 por dólar.

Ao empoçar a oferta de recursos no mundo, isso também é favorável aos ativos de maior risco, principalmente os de países emergentes. Ciente disso, a China não esperou e promoveu uma nova maxidesvalorização da sua moeda local, o yuan, repetindo o que havia feito em agosto de 2015, quando assustou os mercados globais. O Banco Central chinês (PBoC) fixou a taxa de referência em 6,65 yuans por dólar, enfraquecendo a moeda chinesa ao nível mais baixo desde dezembro de 2010.

A estratégia chinesa é uma resposta à tentativa de Pequim de limitar os ganhos do yuan em relação ao dólar, o que inibe a saída de capital estrangeiro do país, ao mesmo tempo que ajuda a exportação, com o yuan mantendo-se competitivo em relação às divisas dos principais parceiros comerciais. Existia, portanto, um elevado risco de fuga de recursos.

Não se trata exatamente do que acontece no Brasil. A forte retirada de capital externo da Bolsa brasileira nos dois dias que se sucederam ao Brexit teve pouca influência no saldo positivo desta conta acumulada no ano, com os "gringos" colocando mais de R$ 10 bilhões, o que garante uma valorização do Ibovespa em cerca de 20% desde janeiro, com o índice acionário orbitando no limiar dos 50 mil pontos desde março. Já o dólar seguiu abaixo de R$ 3,50, renovando as mínimas do ano.

Porém, segundo o Banco Central, a saída de dólares no país na primeira metade de 2016 supera as entradas em quase US$ 5 bilhões, exatamente pela via financeira. Isso mostra que os investidores estrangeiros chegaram ao Brasil no início do ano com o dólar valendo R$ 4,00 e, agora, embolsam os lucros em carteira, ganhando tanto na valorização da moeda brasileira quanto na performance de ações e títulos. E o BC brasileiro já sinalizou que vai manter os juros básicos (Selic) em nível alto até trazer a inflação ao centro da meta.

O fato é que após o afastamento da presidente Dilma Rousseff, em maio, os negócios locais seguiram dando, de um lado, o benefício da dúvida ao governo interino e, de outro, “de ombros” ao ressurgimento da crise política que envolve o PMDB e o próprio Michel Temer. Reprovado por 7 em cada 10 brasileiros, o presidente interino foi citado, pela primeira vez, como personagem vinculado a um esquema de recebimento de propina no âmbito da Operação Lava Jato.

Mas isso não teve importância - ao menos no Palácio do Planalto. Pelo mesmo motivo (e valores), com o ex-presidente da Transpetro Sergio Machado citando repasse de R$ 1,55 milhão, caiu o terceiro ministro da Esplanada dos Ministérios. Trata-se do agora ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, que pediu demissão a fim de não criar constrangimentos.

Um mês antes, os então ministros do Planejamento, Romero Jucá, e da Transparência, Fabiano Silveira, saíram dos cargos após divulgação de trechos da delação de Machado, em áudio, em que ambos criticavam a Lava Jato. Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, os políticos buscam frear as investigações em busca de uma "pseudo-estabilidade". Isso sem falar das declarações feitas pela Odebrecht, que já produzem um cheiro de queimado, nem no potencial da Operação Zelotes em grandes banqueiros.

Ainda assim, a expectativa de que o Brasil fosse “cair na real” também não se confirmou. Mesmo com as delações revelando uma perspectiva devastadora no ambiente político em Brasília, os desdobramentos das denúncias não têm, por ora, complicado a governabilidade do PMDB e, principalmente, o andamento de medidas importantes no Congresso. Ao contrário, a articulação do governo e pessoal de Temer tem mostrado força.

Bastou agradar ao funcionalismo público com um megarreajuste salarial, capaz de provocar um rombo nas contas até 2018, e favorecer os Estados no pagamento de dívidas com a União para “calar” vozes dissidentes e “comprar” o apoio dos Três Poderes e dos governadores. O Bolsa Família também teve um aumento médio de 12,5% - porcentual acima da inflação, sendo que o teto do critério que define extrema pobreza e pobreza subiu de R$ 77 para R$ 85; e de R$ 154 para R$ 170, de renda por habitante, respectivamente.

A atuação nessas duas frentes explica o “número crível” (e inflado) de R$ 170 bilhões no déficit orçamentário deste ano - que pode ser repetido no ano que vem. Em outro front, os senadores já mostram a "fatura" do impeachment a Temer, com demandas que vão desde indicações para cargos em empresas e bancos estatais a apoio político nas eleições municipais de outubro.

A votação final do processo de impeachment deve acontecer até o fim de agosto. Pela estimativa do Planalto, 38 senadores já se posicionam a favor da cassação de Dilma – são necessários 54 votos. Mas, segundo perícia realizada pelo Senado, não há elementos que comprovem atos diretos dela nas pedaladas fiscais - embora tenha havido participação direta na edição de decretos de crédito suplementar sem o aval do Congresso.

Nesse cenário, junho deixou a sensação de que o rali nos mercados mais se pareceu a um passeio de montanha russa, com os investidores vivendo de risco apenas no curto prazo. Esse apetite logo foi absorvido por um ajuste nos preços dos ativos, transformando o mercado de alta (bull market ou mercado de touro) em mercado um baixa (bear market ou mercado de urso).

E as férias de verão (no Hemisfério Norte) em julho podem ampliar essa percepção de viver perigosamente nos mercados logo na virada do semestre....prolongando tal vaivém ao menos até os Jogos Olímpicos no Rio, em agosto.

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