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Os números (não) mentem


Enquanto a imprensa tradicional celebra a derrota do governo, dizendo que os aliados não têm o total de votos necessários para barrar o impeachment na Câmara dos Deputados, e os mercados domésticos antecipam a comemoração de domingo, colocando o dólar abaixo de R$ 3,50 e a Bovespa acima dos 53 mil pontos, o discurso no Palácio do Planalto é outro. Segundo o ministro Ricardo Berzoini (Secretaria do Governo), a base hoje é superior a 200 votos e é trabalhada de maneira muito "rigorosa" e "criteriosa" pelas lideranças.

Assim, mesmo com a saída oficial de partidos como o PP e o PRB, além da decisão do PSD de oficializar posição a favor do impeachment, o governo não parece ter jogado a toalha. Aliás, o Palácio do Planalto ofereceu o Ministério da Integração Nacional à ala do PP que se manteve a favor do mandato da presidente Dilma Rousseff.

Ontem, a própria presidente disse que vai lutar "até o último minuto" e, se vencer, irá propor um pacto. Contudo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria admitido que a situação atual é difícil mas, mesmo cansado e abatido, não descartou um revés. Já no noticiário de massa, os jornais dão como certa uma derrota do governo, que já teria inclusive admitido não ter os 172 votos necessários contra o impeachment.

No placar de um desses veículos, faltam apenas 10 votos para a oposição alcançar a almejada marca de 342 e, assim, avançar o processo para o Senado, enquanto o governo teria apenas 124 votos. Na outra Casa do Congresso, os senadores que apoiam o afastamento definitivo de Dilma também são maioria, mas o receio por lá é de que o presidente Renan Calheiros demore para conduzir o rito do impeachment.

Em meio a essa falácia numérica, já que a soma dos votos atribuídos à oposição com os votos declarados pela situação supera o total de 513 deputados que irão votar no domingo, o que pode definir o rumo dos mercados domésticos hoje é o sinal vindo do exterior. E, se o Banco Central tem perdido a batalha contra o capital especulativo, que derruba o dólar para o menor nível desde agosto até o real brasileiro, a autoridade monetária pode receber nesta quinta-feira uma "ajudinha" internacional.

Um inesperado afrouxamento nos juros da Cingapura hoje derrubou as demais moedas da Ásia-Pacífico em relação ao dólar, com o ringgit malaio, o won sul-coreano, as rupias indiana e indonésia e os dólares australiano ("aussie") e neozelandês ("kiwi"). Já o yuan chinês caiu pelo terceiro dia seguido, negociado perto da mínima em duas semanas, após o PBoC promover o maior enfraquecimento da taxa diária de referência em três meses.

O BC de Cingapura disse que irá buscar uma política de valorização zero de sua moeda local em relação a uma cesta de moedas, não revelada. Assim, a autoridade monetária retoma uma posição neutra, também adotada no auge da crise de 2008, citando um "ambiente externo menos favorável" e uma crescente preocupação com a economia global.

O rali do dólar nas moedas asiática pesa nas commodities, sendo que o petróleo já começa a avaliar o real efeito da medida, caso o cartel de grandes produtores decidam congelar a produção. A percepção é de que o impacto da decisão de Rússia, Arábia Saudita e outros líderes pode ser apenas simbólico. Afinal, a maioria desses produtores não seria capaz de elevar a produção, caso quisessem.

Com isso, o sinal negativo prevalece nas bolsas. Os índices futuros de Nova York recuam, à espera também dos balanços dos bancos Wells Fargo e Bank of America, além da gestora de recursos BlackRock. Ontem, o resultado trimestral acima do esperado do JPMorgan embalou as ações do setor financeiro. Talvez, hoje, cabe alguma correção. Na Europa, as principais bolsas mostram sinais de cansaço, após quatro dias seguidos de ganhos.

Na agenda econômica, o destaque no Brasil fica apenas com o primeiro IGP do mês, o IGP-10, que deve desacelerar novamente, para uma taxa de 0,38% em abril, em meio à menor pressão de alta nos alimentos. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses também deve perder força e alcançar 10,82%. O dado será conhecido às 8 horas.

No mesmo horário, no exterior, sai a decisão de política monetária do BC da Inglaterra (BoE), que deve manter o juro no mínimo histórico de 0,50%, com as atenções voltadas ao referendo do “Brexit”, em junho. A expectativa é de que o BC inglês expresse alguma preocupação em relação à saída do Reino Unido da União Europeia (UE) no comunicado, ou na ata, que acompanharam a decisão. A libra esterlina cai pelo segundo dia.

Dados de inflação ao consumidor (CPI) na zona do euro, logo cedo, e nos Estados Unidos, às 9h30, calibram as apostas dos investidores em relação às condições internacionais amplamente expansionistas. Aliás, esse colchão de liquidez monetária tem sustentado um apetite pelo risco, alimentando um rali global em bolsas, commodities e moedas, com boa parte desses recursos sendo alocados no Brasil.

O movimento é apoiado em comunicados recentes do Federal Reserve, que se mostra dividido em relação à próxima alta dos juros nos Estados Unidos, porém com uma ligeira vantagem entre os integrantes mais moderados (“dovish”). A divulgação do Livro Bege, ontem, reforçou essa percepção.

Contudo, basta o Fed ameaçar apertar o botão e ativar uma nova alta da taxa de juros norte-americana para que toda essa euforia nos mercados globais se desmorone – incluindo a Bovespa e o real brasileiro. Afinal, como alertou o Fundo Monetário Internacional (FMI) nesta semana, essa melhora nos preços dos ativos mais arriscados não se dá pela expansão da demanda.

Mas a China pode contrariar esse argumento, com os líderes de Pequim recompondo o fôlego e tentando colocar o país de volta aos trilhos. A segunda maior do mundo já deixou de ser o epicentro da volatilidade dos mercados, que mergulhou os negócios em uma forte onda vendedora (selloff) logo no começo deste ano, diante dos sinais de estabilização da atividade, doméstica e externa.

Os dados do Produto Interno Bruto (PIB) chinês nos três primeiros meses deste ano, a serem conhecidos hoje à noite, juntamente com os números da indústria, do varejo e dos investimentos em ativos fixos em março, podem corroborar (ou não) essa visão. A conferir.

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