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Sangue Latino



Há um ditado popular entre os mexicanos bastante elucidativo: “Pobre México! Tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos”.


Antes que Andrés Manuel López Obrador, o líder da centro-esquerda mexicana tomasse posse, o presidente em fim de mandato Enrique Peña Nieto saiu pra passear de mãos dadas com o vizinho Donald Trump no início da semana e deixou uma casca de banana na soleira da porta de seu sucessor e adversário político: aceitou um acordo bilateral que ele mesmo rejeitava antes da derrota de seus aliados conservadores nas urnas.


O governo mexicano em fim de mandato fará tudo o que estiver ao alcance para aprovar o pacto antes da posse de López Obrador, em dezembro. A Casa Branca, por sua vez, já encaminhou o acordo ao Congresso, dando início a uma contagem regressiva de 90 dias para que o tratado seja aprovado em definitivo.


Nada disso é à toa, nem pelo bem do México. Enquanto Peña Nieto deixa uma armadilha no caminho de López Obrador e do povo mexicano, Trump segue à risca a velha tática de dividir para conquistar sem esconder a própria miopia. Jura mentiras e segue sozinho. Seu sangue não é latino. Sua alma não é cativa.


Trump olha para seus vizinhos da América como se os ventos do Norte movessem moinhos. O chefe da Casa Branca queria reformular o NAFTA a qualquer custo. Segundo ele, o acordo norte-americano de livre comércio seria “desvantajoso” para os Estados Unidos. Só esqueceram de combinar com o Canadá.


E qual é o estilo Trump de “negociar”? Se o Canadá não aceitar, o presidente dos EUA irá romper tratados e o NAFTA vira um acordo bilateral com o latino México. Só que em lugares menos incivilizados, como parece o caso do Canadá, pega meio mal sair se curvando ao primeiro grito. Os eleitores de Justin Trudeau esperam tudo, menos isso.


É bom lembrar: não se negocia de igual para igual em condições tão assimétricas. Trump insiste que – depois dos imigrantes, claro – o maior mal a afligir a economia de seu país é o déficit comercial. Talvez ele até ache mesmo que isso seja verdade e por isso tenha deflagrado uma perigosa guerra comercial, apontando a China como alvo principal e ameaçando até mesmo sair da OMC, a Organização Mundial do Comércio.


O fato é que as trocas comerciais com países estrangeiros figuram como um dos motores da economia norte-americana. Pelo tamanho de sua economia e pela diversidade de parceiros, déficits comerciais fazem parte do jogo. Um olhar superficial pode sugerir que os déficits aconteçam porque outros países não compram dos EUA na mesma proporção que os EUA compram deles. E tais transações são cotadas em… em dólares, claro.


Chegamos então à atual cotação da doleta. O Brasil é um dos poucos lugares no mundo onde circula com notável aceitação a noção de que manter o câmbio sobrevalorizado traz mais benefícios do que prejuízos à economia. Talvez para ir à Flórida, paraíso dos deslumbrados. Nos demais casos, equilíbrio seria a palavra-chave.


Por que Trump tem batido tanto no Fed? Pela lógica do mercado financeiro, taxas de juros mais elevadas nos Estados Unidos drenam parte do dinheiro depositado em países emergentes por investidores em busca de maior segurança no retorno. E quem tem sido o principal gatilho de aversão ao risco nos mercados globais nos últimos anos? O próprio Trump.


Enquanto ele alega que os demais países mantêm moedas artificialmente subvalorizadas – o que, em parte, acontece –, o excesso de ímpeto somado à falta de reflexão de Trump em suas palavras e seus atos deixam o mundo de orelha em pé! É só ver o que aconteceu recentemente com a lira turca.


No mercado financeiro, em situações de aversão ao risco, o dólar é o chamado “porto- seguro”. O pessoal corre pra verdinha na hora do aperto e ela se aprecia ante a maior parte das moedas. Com as finanças globalizadas, digitalizadas, possibilitando negócios em tempo real, imagina que beleza.


E enquanto Trump sai por aí brincando de fazer bullying sem, por enquanto, ter levado uma invertida significativa, mais uma vez ele externa sua alucinação de erguer um muro na fronteira e obrigar o México a pagar. E o que resta a López Obrador é só um gemido。


Como dizia o professor Darcy Ribeiro, só há duas opções em jogo quando se é latino-americano: resignar-se ou indignar-se.

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