O fundo do poço
Quem volta do fundo do poço não raro relata que lá embaixo, quando você acha que não dá para afundar mais, ainda tem mais de metro de lama pra chafurdar. Então se sua impressão for a de que as eleições de outubro vão finalmente reorientar este país tropical abençoado por Deus, melhor ir devagar com o andor.
Não se trata apenas de recuperar o Brasil da queda vertiginosa precipitada por um golpe claramente orientado a exterminar qualquer vestígio do embrião de Estado de bem-estar social que se tentou implementar sob a dobradinha Lula/Dilma.
Se houver alguma dúvida quanto a isto, basta observar com atenção: praticamente todas as iniciativas de Michel Temer, imortalizado pelo finado Antonio Carlos Magalhães como “mordomo de filme de terror”, estão totalmente na contramão do programa eleito nas urnas em 2014 e claramente em linha com o programa derrotado nas últimas quatro eleições presidenciais.
E enquanto esgarça o tecido social brasileiro, Temer se empenha em levar o Brasil a outro século, o XIX. A forma que esse tecido assumirá quando as feridas cicatrizarem ainda é uma incógnita. As chagas seguem expostas e correm o risco de infeccionar.
A desilusão do eleitorado é palpável nas pesquisas de intenção de voto. Mesmo com toda a máquina político-jurídico-midiática trocando de argumento como quem troca de roupa para tentar justificar a medida que for para tirar Lula do páreo, mesmo com o ex-presidente isolado em uma cela em Curitiba desde abril, ele lidera todas as sondagens nacionais em que seu nome é incluído. Nas que não sugerem a vitória de Lula em primeiro turno, o ex-presidente levaria no segundo.
Em qualquer democracia que se preze nem se cogita encarcerar um campeão de votos às pressas, sob acusações pra lá de frágeis e atropelar as instituições com o objetivo espúrio de evitar o veredicto das urnas. Mas não estamos falando de uma democracia que se preze.
Estamos falando de um país no qual os períodos autoritários ganham por uma proporção bem maior do que 7 x 1 dos parcos anos de liberdade, autonomia e soberania. E o autoritarismo é o atoleiro para onde caminham as sociedades em litígio com os valores democráticos.
Peguemos como exemplo as eleições municipais de 2016, auge da moda do político apolítico e usemos como parâmetro umas cidadezinhas maomeno, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Quem teve mais votos? Doria, Crivella, Kalil e Marchezan? Ou terão sido os votos em branco, os nulos e as abstenções?
Nos quatro casos, o não-voto venceu os “não-políticos”. Em escala nacional, um terço dos eleitores preferiu deixar quieto – e ainda assim a maior parte fez política sem se dar conta de que estava fazendo.
No caso brasileiro, a crise de representatividade aprofundou a apatia pós-primeiro-a-gente-tira-a-Dilma e depois… Depois a gente o que mesmo?
O fato é que, se com Lula nas pesquisas a intenção de votos nulos e em branco já é elevada, sem o ex-presidente na parada esses porcentuais disparam e ganham de todos os demais candidatos somados. E isto em um país sem voto facultativo.
No meio desse caldeirão fantasmagórico, enquanto as candidaturas e alianças se definem, um Bozo de filme de terror posiciona-se para desbancar o mordomo.