China entra em campo
- Olívia Bulla
- há 2 dias
- 3 min de leitura
Trump diz que a bola está na quadra da China, que impõe condições para diálogo

A China resolveu entrar em campo. Depois de anunciar um crescimento econômico acima do esperado no primeiro trimestre deste ano, de 5,4% em base anual, o governo chinês disse estar preparado para iniciar negociações comerciais com os Estados Unidos, desde que certas condições sejam atendidas.
Relatos na imprensa internacional afirmam que Pequim pode abrir uma rodada de conversa se Washington demonstrar mais respeito, escolher um interlocutor para as discussões e adotar uma posição mais consistente. Imediatamente após a notícia, os futuros dos índices acionários das bolsas de Nova York migraram para o terreno negativo.
A sessão na Europa também amanheceu no vermelho, após um pregão misto na Ásia. O dólar segue sob pressão, com os desejos do presidente norte-americano por uma moeda dos EUA mais fraca se cumprindo. Entre os bônus, o juro projeto da Treasury de 10 anos está estável e abaixo de 4,5%. Diante disso, o Ibovespa deve ter mais uma sessão chocha.
Ao que parece, os investidores sabem das dificuldades de Donald Trump de cumprir o que foi pedido. O vaivém das medidas até aqui deixa claro a falta de consistência na política tarifária. Os comentários de membros do governo, como o do vice J.D. Vance chamando os chineses de “camponeses”, tendem a continuar, já que não houve qualquer repreenda.
Ontem mesmo, Trump mandou recado pela secretária de imprensa Karoline Leavitt. Aos jornalistas, ela leu o texto escrito pelo chefe, dizendo que “a bola está na quadra da China”. “É a China que precisa fazer um acordo conosco. Nós não precisamos fazer um acordo com eles”, pois “a China quer o que nós temos, o consumidor americano… o nosso dinheiro”.
China sabe que o que é guerra prolongada
Tampouco parece haver disposição da Casa Branca em abrir mão das sanções norte-americanas às empresas chinesas ou mesmo em relação à Taiwan. Com isso, o rumo dos mercados financeiros vai depender, em grande parte, da capacidade dos EUA de manter uma guerra comercial prolongada, sem sofrer danos colaterais.
A história ensina que é a China quem entende de “guerra prolongada”. O termo é usado com frequência por líderes chineses e surgiu pela primeira vez no discurso de Mao Zedong ao falar sobre a estratégia de combate durante a invasão japonesa (1937-1945). Anos depois, Xi Jinping fez menção ao termo ao declarar “guerra popular” contra a covid-19, que durou três anos.
Fato é que a China está convencida de que as políticas dos EUA são destinadas a conter e suprimir a modernização do país asiático. Apesar da alta robusta do Produto Interno Bruto (PIB) chinês entre janeiro e março, acima dos 5,3% esperados, a expansão neste trimestre deve sofrer forte revés da escalada geopolítica de Trump.
Com a indústria chinesa sendo afetada pelas tarifas de 145% dos EUA, a capacidade da China de manter um crescimento sólido no futuro vai depender do vigor da demanda interna (e do consumidor chinês) para compensar a queda. Porém, a manufatura supera o crescimento dos serviços no país há cinco trimestres consecutivos.
Como já dito aqui, a China ainda não tem a classe média de 800 milhões de pessoas - com renda média de US$ 10 mil - para consumir bens e serviços. A meta é para 2035. Mas, se a estratégia de Trump implica em tornar a América em uma economia orientada à produção, o posto de consumidor de último recurso ficará vago.
Logo, “o consumidor americano” que Trump conta como vantagem na mesa de negociação com a China não existirá mais. Cientes disso, os chineses entraram em campo com faca nos dentes, em uma estratégia bem diferente do “morde-assopra” do presidente dos EUA. A ver quem, no fim, terá de mostrar os dentes.