Guerra do petróleo eleva temor nos mercados
O fluxo de notícias no fim de semana gera pânico no mercado financeiro hoje. O colapso nas negociações do cartel da Opep desencadeou uma guerra nos preços do petróleo, com o barril chegando a cair mais de 30%, e se sobrepõe ao salto no número de mortes por coronavírus na Itália, que levou ao bloqueio no entorno de Milão, enquanto o Brasil registra quase o dobro de casos confirmados desde a última sexta-feira. Já as exportações na China caíram mais que o esperado nos dois primeiros meses deste ano.
Mas o destaque fica mesmo com a queda livre nos preços do petróleo, com o barril do tipo referencial Brent registrando o maior tombo desde a Guerra do Golfo, em 1991, após a desintegração da aliança entre países da Opep colocar Arábia Saudita e Rússia em lados opostos. Já o barril tipo WTI caiu abaixo US$ 30, quando as negociações foram interrompidas, mas já caminha rumo à marca de US$ 20 por barril.
O comportamento da commodity reflete a decisão da Arábia Saudita de aumentar a produção de petróleo, podendo chegar ao recorde de 12 milhões de barris por dia, e reduzir os preços ao menor nível desde 2016. O Kremlin, por sua vez, decidiu sustentar os níveis de ociosidade, sem novos cortes na produção, de modo a apertar a indústria de xisto dos Estados Unidos, que vem ganhando fatia no mercado.
O colapso na Opep interrompeu também as negociações das bolsas de Nova York no mercado futuro, depois que os índices futuros do Dow Jones, do S&P e do Nasdaq caíram mais de 5%, elevando o temor de uma queda abrupta em Wall Street durante o pregão regular. Na Ásia, as principais bolsas tiveram um tombo feio, com as perdas lideradas por Tóquio (-5%), após a economia japonesa contrair 7,1% no último trimestre de 2019.
Na sequência aparece Seul e Hong Kong, que caíram mais de 4%, cada. As praças na Austrália e no Oriente Médio também afundaram. Xangai, por sua vez, teve queda de 3%, reagindo também à queda de 17,2% nas exportações chinesas em janeiro e fevereiro, em termos dolarizados e em relação a um ano antes, enquanto as importações cederam 4%, gerando um saldo comercial negativo de US$ 7,1 bilhões no bimestre.
A previsão era de queda menor nas vendas ao exterior (-16,2%) e maior (-16,1%) nas compras no exterior. Na Europa, as principais bolsas caminham para uma abertura no vermelho, digerindo também a decisão do governo italiano de praticamente travar a região norte do país, em um esforço para conter a propagação do coronavírus. Mas o bloqueio das cidades tem algumas diferenças em relação à China.
Com isso, a preocupação de que a economia global enfraquecida por causa do surto do vírus possa ser agora inundada de petróleo provoca uma fuga por proteção em ativos seguros, o que derrubou o rendimento do título norte-americano de 10 anos (T-note) para abaixo de 0,5%. Já o ouro avança para além da faixa de US$ 1,680 por onça-troy. Nas moedas, o euro e a libra ganham terreno em relação ao dólar, enquanto o xará australiano e o iene têm forte queda.
Esse movimento no exterior tende a manter o Ibovespa pressionado, após perder os 100 mil pontos na última sexta-feira e voltar aos níveis de agosto, com riscos de haver uma interrupção dos negócios durante o pregão (circuit breaker). Atenção especial às ações da Petrobras. Já o dólar, que interrompeu uma sequência de 12 altas e 11 recordes seguidos, pode renovar o fôlego em relação ao real, apesar de o Banco Central ter deixado programado para hoje a venda de US$ 1 bilhão das reservas internacionais.
Urso com pena
Assim, os ativos de risco ampliam a correção iniciada há duas semanas, adicionando ingredientes ao debate quanto ao fim do mercado de alta/do touro (bull market). A chegada dos ursos (bear market) travestidos de ave dá os primeiros sinais de um mercado de baixa. O fato é que enquanto a disseminação do vírus esteve restrita à China, tal efeito não foi realisticamente espelhado pelos mercados, que vinham ignorando esse cisne negro.
Mas à medida que o Covid-19 começou a se espalhar pelo mundo, as incertezas sobre as consequências econômicas começaram a ser embutidas nos preços dos ativos, elevando os riscos de uma recessão global, potencializados pelo colapso no petróleo. E ainda há poucos indícios de controle no número de casos/óbitos fora da China e pouco se sabe sobre quando a atividade será retomada, tanto do lado da oferta quanto da demanda.
A percepção, agora, é de que a nova doença respiratória veio para ficar. A notável velocidade com a qual o vírus se espalhou para mais de 100 países nos seis continentes mostra o quanto é altamente contagioso, ainda que não seja terrivelmente letal. Mas o Covid-19 poderia ser ainda mais grave se não houvesse medidas drásticas de controle e a população mundial em geral se infectasse, como foi o caso da peste negra em 1918.
Mas a guerra do petróleo virou mais um fator de pânico entre os investidores, o que, somado ao completo caos com a disseminação do coronavírus no mundo forma um “cisne negro” em sua essência máxima. E tudo indica que o impacto econômico global pode ser muito mais amplo e profundo, com o mercado financeiro apenas no estágio inicial de uma grande mudança.
Semana de agenda cheia
A agenda de indicadores e eventos econômicos desta semana está repleta de destaques, mas as atenções devem ficar concentradas na reunião do Banco Central Europeu (BCE), na quinta-feira. Após o corte emergencial nos juros pelo Federal Reserve, a expectativa é de que sejam lançados estímulos monetários na zona do euro, via outros instrumentos.
O BC brasileiro também vem sendo pressionado para dar continuidade ao ciclo de cortes, de modo a estimular a atividade. Porém, queda adicionais na Selic tendem a enfraquecer ainda mais o real, aumentando os risco de repasse do dólar em alta na inflação e ameaçando a era de juros baixos no país por um período prolongado.
É bom lembrar que o mandato do BC é com a estabilidade dos preços ao consumidor. Assim, uma rodada adicional de estímulos não só pode ser ineslática à economia real, que já vinha dando sinais de fraqueza na virada de 2019 para 2020, como também pode colocar em xeque a credibilidade da autoridade monetária.
Aliás, entre os indicadores econômicos desta semana, o foco se divide entre dados de atividade, com números sobre a produção industrial nacional (amanhã) e na região da moeda única europeia (quinta-feira), e de inflação, com índices de preços ao consumidor chinês (hoje à noite), brasileiro e norte-americano (ambos na quarta-feira).
Confira a seguir os principais destaques desta semana, dia a dia:
*Horários de Brasília
Segunda-feira: A semana começa com uma agenda econômica carregada no Brasil. Pela manhã, saem o resultado de fevereiro do IGP-DI (8h), que deve mostrar deflação, e o relatório de mercado Focus, do Banco Central (8h25). À tarde, é a vez dos dados da balança comercial na primeira semana deste mês (15h). Lá fora, os EUA entraram no horário de verão ontem, antecipando em 1 hora o fechamento dos mercados. Entre os indicadores, destaque para os índices de preços ao consumidor (CPI) e ao produtor (PPI) na China em fevereiro, que saem apenas no fim do dia.
Terça-feira: O calendário doméstico continua cheio de divulgações relevantes e traz o desempenho da indústria em janeiro e uma nova estimativa para a safra agrícola, ambos às 9h. No exterior, merece atenção a leitura final do PIB da zona do euro no quarto trimestre do ano passado.
Quarta-feira: A agenda econômica segue como destaque, neste dia de divulgação do IPCA de fevereiro. Também serão conhecidos a primeira prévia deste mês do IGP-M e os dados parciais do fluxo cambial. Lá fora, o calendário norte-americano ganha força, trazendo o índice de preços ao consumidor (CPI) no mês passado.
Quinta-feira: A zona do euro concentra as atenções do dia, trazendo dados sobre a produção industrial em janeiro. Mas o destaque fica mesmo com a decisão de juros do Banco Central Europeu (BCE), seguido de uma entrevista coletiva da presidente da autoridade monetária, Christine Lagarde. Entre os indicadores, saem dados regionais da indústria nacional e o índice de preços ao produtor norte-americano (PPI).
Sexta-feira: A semana chega ao fim com uma agenda econômica esvaziada, no Brasil e no exterior. Ainda assim, merecem atenção a leitura preliminar deste mês do índice de confiança do consumidor nos EUA e os preços de importação e exportação no país.