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Era uma vez...


Advertência: os nomes de alguns personagens e lugares da história a seguir foram alterados ou camuflados para não exacerbar paixões prejudiciais a um melhor entendimento da situação.


Era uma vez um lugar chamado pré-sal. No princípio pouca gente entendeu direito o que era, muito menos onde era.


Disseram que era no fundo do mar, ali pertinho de Atlântida. Alguns diziam que era invenção, distração, um desvio de atenção em meio a tantas mazelas. Um pouco de ópio para aplacar a dor. Depois passaram a dizer que o lugar existia, sim, mas não havia nada ali. E o discurso mudava de acordo com a conveniência do orador.


Quando se percebeu que não era quimera, passou-se a dizer primeiro que as estimativas eram exageradas, e a seguir que uma certa empresa não teria tecnologia nem capacidade para explorar a enormidade de petróleo e o gás ali depositados.


Desenvolveu-se tecnologia própria e tinha muito mais do que se imaginava lá embaixo. A exploração então não seria “lucrativa”, diziam. Mas não só era lucrativa como em poucos anos o pré-sal passou a responder pela maior parte da produção nacional e, na prática, proporcionou autossuficiência petrolífera a um certa vez chamado “País do Futuro”.


Do ponto de vista ambiental, a exploração de óleo e gás em tempos de aquecimento global e mudanças climáticas desenfreadas poderia e deveria ser questionada. Mas naquela época não se discutia o essencial. Só penteados e perfumarias em geral.


De um ponto de vista estratégico, o “País do Futuro” parecia prestes a abandonar a vanguarda do atraso e ingressar de vez no presente, no mundo dos players de relevância internacional. Mas ninguém contava com a astúcia da vanguarda do atraso.


Enquanto o discurso negacionista era vendido ao público pelas vozes uníssonas de antenas de rádio e televisão que destilavam ódio e bile, agia-se nas sombras e também à luz do dia para sabotar o projeto, especialmente depois de anunciado que 75% dos lucros com o pré-sal seriam destinados à educação pública e os 25% restantes à saúde.


A ideia até atendia a demandas urgentes – e por que não dizer eternas? – da população desse tal país que almejava o presente para alcançar o futuro.


Mas a proposta atentava contra as intenções, ambições e promessas de certos agentes pegos no vazamento de cabogramas diplomáticos de um país mais ao norte, que aproveitou então para reativar uma coisa chamada Quarta Frota, uns barquinhos de guerra bonitinhos cheios de militares bonzinhos interessados única e exclusivamente na segurança e estabilidade de um lugar chamado Atlântico Sul.


A vanguarda do atraso armou então um plano mirabolante, “com o Supremo, com tudo”, e não só tirou do caminho como aprisionou os formuladores daquele projeto. Como raposas cuidando de um galinheiro, tomaram de assalto o controle desse lugar e passaram a desmontar tudo o que havia sido feito antes, fosse bom, neutro ou ruim, numa ofensiva política, midiática e judicial. O importante era apagar da memória qualquer boa lembrança e colocar o povo do tal País do Futuro de volta ao que consideravam ser seu devido lugar.


O assalto consumou-se ao som de percussões improvisadas nas janelas e apelos à família, à moralidade, à tradição e à propriedade. Até Deus e Jesus foram invocados contra a própria vontade.


O saque começou com a cassação de direitos. Até a reinstituição do trabalho escravo tentaram emplacar. Com outro nome, é claro, mas não rolou. Pelo menos não na letra da lei. Até garantiram que as gestantes ganhassem o “direito” de trabalhar em condições insalubres. E enquanto direitos essenciais eram tachados de privilégios, os verdadeiros privilegiados ficaram à vontade para travestir de legalidade suas mordomias e auxílios de toda espécie.


A política de terra arrasada precisava se consumar com celeridade, sem tempo para reações, rumo a uma desejada paz de cemitério. Choque e pavor. As percussões cessaram. Enquanto os inimigos eram condenados por falta de provas, os amigos eram inocentados pelo excesso de evidências de crime. A extensão da capivara virou até critério para nomeação ministerial diante do silêncio incrédulo dos percussionistas.


Começaram a desmantelar a tal empresa do pré-sal, entregando-a de mão beijada em fatias, por valores irrisórios. Rolou também uma farra com distribuidoras de energia elétrica, doadas no balcão pela aposta mínima de 50 mil dinares, provavelmente para popularizar o leilão. A alta tecnologia dos aviões veio de brinde na sobremesa.


Não sobrou cafezinho nem pudim de leite. Enquanto agiam para inibir a venda de produtos orgânicos, liberavam o uso de agrotóxicos proibidos em terras menos incivilizadas, mas neste lugar malandramente chamados de defensivos.


E teria mais. Muito mais coisas aconteceram e outras ainda aconteceriam. Queriam entregar pros estrangeiros a água, e também as florestas. Fizeram até festa dizendo que o País do Futuro tinha voltado 20 anos em dois. Mas eram tantos os retrocessos que aquele lugar parecia ter voltado não 20, mas 200 anos.


Se mais pra cima, a terra do sombrero parecia enfim se libertar das garras da águia, ao sul do Equador escancarava-se as entranhas a quem quisesse pagar. E os percussionistas, acabrunhados, esconderam seus instrumentos em um silêncio constrangedor.


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