Atualizado: 28 de mar de 2022
Governo Bolsonaro mostra-se adepto à velha política e pressão do Centrão por volta do auxílio emergencial sem corte de gastos preocupa o investidor
A mudança de tom do presidente Jair Bolsonaro, que agora defende a vacinação contra a covid-19 e a volta “para ontem” do auxílio emergencial para a retomada econômica, mostra a pressão do Centrão no governo e acende o sinal de alerta no mercado financeiro. Depois do mal-estar envolvendo a política de preços da Petrobras, que afundou o Ibovespa ontem, Bolsonaro admitiu, em entrevista na TV, que uma nova rodada do benefício social pode ocorrer sem exigir contrapartidas, furando o teto dos gastos.
Com o Executivo adepto de vez ao chamado “toma lá, dá cá” - tendo de atender aos inúmeros anseios de diferentes aliados, fazendo nomeações de indicados em troca de apoio, para manter a “velha política” de influência funcionando em Brasília - o foco dos negócios locais está concentrado no Congresso. Ao que tudo indica, quem irá decidir como o retorno do socorro financeiro aos mais vulneráveis será custeado são os presidentes eleitos para a Câmara e o Senado, com o respaldo do governo.
As declarações ontem de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, de que o pagamento do auxílio emergencial será feito de forma “excepcional” no Orçamento, não estando atrelado a corte de gastos, preocupam os investidores, que voltam a vislumbrar riscos fiscais no horizonte. Esse receio, somado ao aceno de Bolsonaro aos caminhoneiros para reduzir os preços dos combustíveis, que resgatou o fantasma da interferência do governo nas estatais, eleva a aversão ao risco por aqui.
Diante disso, merece atenção hoje a instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que deve dar início à discussão sobre o auxílio emergencial. Também deve começar a ser discutido hoje o projeto de autonomia do Banco Central. Entre os indicadores, saem a primeira prévia deste mês do IGP-M (8h) e a inflação oficial ao consumidor brasileiro (IPCA), às 9h, que deve desacelerar fortemente em janeiro.
Juntos, esses eventos políticos e a agenda econômica doméstica devem calibrar as expectativas em relação ao rumo da taxa básica de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em março, depois de o BC sinalizar que uma alta da Selic pode ocorrer em breve. Por isso, os desdobramentos do cenário local tendem a manter os ativos brasileiros descolados do interminável apetite por risco no exterior.
Hoje, porém, os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram com leves oscilações, em compasso de espera por mais estímulos fiscais aprovados em Washington. O Congresso dos Estados Unidos deve trabalhar nos detalhes do novo pacote trilionário para aliviar o impacto econômico causado pelo coronavírus e combater a pandemia no país. A temporada de balanços também agita os negócios em Wall Street.
As principais bolsas europeias também caminham para uma abertura na linha d’água, alternando leves altas e baixas, sem viés definido. Na Ásia, porém, as principais bolsas da região pegaram carona nos ganhos da véspera do S&P 500, que fechou em novo recorde. Apesar da sensação de que os índices acionários globais podem estar muito ‘esticados”, tendo subindo muito rápido, o otimismo dos investidores mantém o ímpeto dos negócios.
Contudo, a expectativa por mais estímulos continua pressionando o mercado norte-americano de bônus, com o rendimento (yield) do título dos Estados Unidos de 10 anos (T-note) rondando ligeiramente abaixo da faixa de 1,20%. O ímpeto por trás do tema “reflação”, com o governo Biden fortemente inclinado à expansão monetária e fiscal, continua sendo uma força a ser enfrentada.
Esse aumento significativo das taxas de juros de longo prazo nos EUA, com a diferença no rendimento entre o papel de cinco e de 30 anos atingindo o maior nível desde 2016, sustenta o dólar forte, ao mesmo tempo em que favorece o desempenho das commodities cíclicas. A moeda norte-americana mede forças em relação às rivais nesta manhã, enquanto o barril do petróleo segue flertando a faixa de US$ 60.
Portanto, no cenário macroeconômico tudo parece sólido. Mas o comportamento contraintuitivo dos ativos de risco nos EUA - com alta das ações, das taxas de juros e da moeda local - mostra que, abaixo da superfície, há sinais fortes de exuberância irracional no mercado financeiro, gerada pela liquidez sem precedentes jorrada pelos bancos centrais. E essa bolha que vem sendo formada pode, em breve, se desmanchar no ar...
O calendário econômico no exterior está mais fraco durante o dia, trazendo apenas o relatório Jolts, com os dados sobre as contratações e demissões nos EUA em dezembro, às 12h. À noite, a China entra em cena para informar os índices de preços ao consumidor (CPI) e ao produtor (PPI) em janeiro.