Trump ativa guerra comercial
A lista de preocupações dos mercados financeiros cresceu neste mês, após a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de taxar a importação de aço em 25% e de alumínio em 10%. Aos sinais de um Federal Reserve mais assertivo no processo de alta da taxa de juros norte-americana e temores de aumento na inflação dos EUA acrescentam-se, agora, as tensões comerciais e a ameaça que tudo isso representa ao crescimento econômico global - visto como o fator-chave para o rali dos ativos de risco neste início de ano.
Os mercados asiáticos receberam mal a notícia sobre a taxação, uma vez que a região é lar de gigantes exportadoras de aço. A queda acelerada de Wall Street ontem, ainda na esteira do anúncio feito após reunião com representantes da indústria dos EUA na Casa Branca, somou-se ao receio de uma guerra comercial prejudicial ao mundo e ao tom mais duro ("hawkish") vindo do Fed.
Como resultado, houve queda nas bolsas de Tóquio (-2,5%), Xangai (-0,6%) e Hong Kong (-1,6%), sendo que, no Pacífico, a Bolsa da Austrália recuou 0,7%. A abertura do pregão na Europa também deve ser negativa, em meio aos riscos de retaliação, após o presidente da comissão do bloco comum europeu, Jean-Claude Juncker, afirmar que o Velho Continente irá responder firmemente a qualquer nova taxação sobre os produtos da região.
Nas commodities, o petróleo recua diante do aumento dos estoques, ao passo que os metais básicos avançam, enquanto o dólar perde terreno para as moedas de países desenvolvidos e emergentes. No mercado de bônus, o rendimento (yield) do título norte-americano de 10 anos (T-note) está estável, ao redor de 2,82%. O destaque, porém, fica com o índice VIX, que mede a volatilidade dos negócios e que voltou a subir nesta semana, sinalizando apenas o início de um período de maior turbulência. Afinal, mais incertezas econômicas significam mais volatilidade.
Assim, justamente quando parecia que a economia global estava funcionando a pleno vapor, com todos os cilindros, Trump injetou um grau de risco significativo, capaz de alterar a perspectiva de forma pouco favorável. O problema é que a decisão de Trump pode ser um tiro no pé, pois o setor siderúrgico nos EUA perdeu grande parte da mão de obra e do peso na atividade norte-americana desde os idos dos anos de 1960.
Portanto, nem mesmo a proteção tarifária deve impulsionar novamente a indústria do aço ou gerar contratações em massa. Ao contrário, por não ser autossuficiente, a ideia do governo Trump de reconstruir os setores de siderurgia e alumínio nos EUA pode prejudicar os próprios fabricantes, incentivando-os a mudar a produção para o exterior, a fim de evitar as tarifas, o que pode enfraquecer o crescimento do país. O consumidor norte-americano também seria penalizado, pois teria de pagar mais caro para adquirir alguns produtos.
Tal fator pode acelerar a inflação no país, servindo de ingrediente ao Fed para subir os juros de modo mais rápido. Depois das declarações do novo presidente, Jerome Powell, em audiências no Congresso norte-americano, os investidores ainda não conseguiram compreender quão gradual será o ritmo de alta da taxa de juros norte-americana neste ano. Ontem, o presidente da unidade do Fed em Nova York, William Dudley, deixou claro que quatro aumentos de 0,25 ponto ao longo de 2018 ainda seriam vistos como um processo gradual.
Diante dessa extensa lista de preocupações, é difícil dizer que os mercados no Brasil passarão incólumes. O governo brasileiro recebeu com "enorme preocupação" a notícia de taxação do aço, que derrubou as ações de siderúrgicas ontem na Bolsa. Ainda assim, o Ibovespa fechou com leve alta, acima dos 85 mil pontos, mas essa marca deve ser testada novamente hoje, com o dólar podendo içar novos patamares, após reaver ontem a faixa de R$ 3,25.
O principal índice acionário brasileiro vinha sendo beneficiado pela perspectiva de mais um corte na taxa básica de juros neste março, após a perda de tração da economia brasileira ao final do ano passado. O Produto Interno Bruto (PIB) doméstico veio levemente mais fraco que o esperado, tanto no resultado acumulado de 2017 quanto nas comparações trimestrais, o que manteve aberta as chances de mais um corte na Selic, para 6,5%.
A composição do PIB nacional mostra que há limitação para o crescimento econômico, sendo que o principal entrave é o desemprego elevado. Com mais de 12 milhões de pessoas sem ocupação, a renda das famílias continua restrita, o que afeta o consumo de bens e serviços, afetando toda a dinâmica da economia.
Assim, não fossem fatores pontuais, como a safra recorde de grãos e a liberação de recursos do FGTS, até mesmo o tão propalado fim da recessão após dois anos estaria comprometido. Por isso, a perda de tração da atividade doméstica nos últimos três meses de 2017 mostra que a recuperação econômica do Brasil ainda é irregular e não representa um padrão sustentável, reforçando a percepção de retomada gradual.
Em meio a todo esse cenário, os investidores devem aproveitar a sessão de hoje para assimilar os eventos e indicadores econômicos recentes, que podem alterar o cenário à frente tanto em relação ao crescimento quanto à trajetória dos juros, no Brasil e no exterior. Essa reavaliação pode provocar ajustes nos preços dos ativos globais, ainda mais diante de uma agenda econômica bem mais fraca em relação aos últimos dias.
A primeira sexta-feira de março não trará a divulgação dos dados de emprego nos Estados Unidos (payroll), como é tradição a cada início de mês. Os números de fevereiro só serão conhecidos na semana que vem. O calendário norte-americano do dia traz apenas a leitura final de fevereiro do índice de confiança do consumidor (13h). Pela manhã, na Europa, saem as vendas no varejo alemão e o índice de preços ao produtor (PPI) na zona do euro, ambos em janeiro.
Ainda no exterior, começa amanhã a sessão legislativa anual na China, que define os planos para o país no período até 2020. Já no Brasil, serão conhecidos os dados regionais da inflação ao consumidor (IPC), logo cedo, e também a inflação no atacado (IPP) no mês passado (9h).