Crise política sem estímulo econômico
O ambiente político no Brasil não pára de colecionar crises. O amadorismo do governo na comunicação em relação ao aumento da jornada de trabalho, de 8 para 12 horas, provocou uma reação imediata, nas ruas e nas redes sociais, e acabou levando o próprio presidente Michel Temer a ligar para o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, para desfazer a declaração. Mas o mal-estar já estava criado e o temor do Palácio do Planalto é de que a pauta de reformas trabalhista e da Previdência, que começa a ser enviada a partir do fim deste mês, possa unir diversos grupos, aumentando a adesão aos protestos.
Enquanto isso, no exterior, a ausência de estímulos monetários dos bancos centrais do Japão (BoJ) e da zona do euro (BCE), pelo menos para o momento, põe um pé no frio dos mercados financeiros nesta sexta-feira. Os investidores refazem as contas em relação à exposição em ativos de risco e aproveitam para embolsar os ganhos recentes, que já se avolumam – sobretudo no Brasil. Os índices de preços na China, divulgados ontem à noite, confirmam a falta de necessidade imediata de novas ações também do BC chinês (PBoC).
Nesse cenário em que a economia não reage, o cenário político ganha destaca. Lá fora, é o teste nuclear feito para a comemoração dos 68 anos de fundação da Coreia do Norte - o quinto e o maior já realizado pelo país - que deixa os negócios na defensiva. A principal vítima é a Coreia do Sul, com a Bolsa de Seul liderando as perdas entre as praças asiáticas, ao passo que o won sul-coreano cai ao menor nível em duas semanas, digerindo a declaração da presidente do país, Park Geun Hye, que chamou o líder vizinho, Kim Jong-un, de "maníaco imprudente".
Essa tensão geopolítica é apenas um ingrediente a mais para azedar o apetite dos investidores, que já estavam indispostos diante do questionamento dos principais bancos centrais globais em relação aos benefícios que poderiam vir de estímulos adicionais. Ontem, o presidente do BCE, Mario Draghi, não apenas manteve o juro estável na região da moeda única como também deixou inalterado o prazo do programa de recompra de ativos, frustrando as expectativas.
Além disso, ele se esquivou em dar pistas sobre o que ou quando poderia levar a uma rodada extra de afrouxamento monetário, mas tampouco disse que já fez tudo o que poderia para tentar soerguer a economia. Ficaram as reticências... E o mercado não gosta de trabalhar com essas incertezas.
Em reação, as principais bolsas europeias caminham para a primeira semana de perdas desde meados de agosto, contaminadas pela queda dos índices futuros das bolsas de Nova York, que recuam mesmo diante da menor possibilidade de aperto dos juros pelo Federal Reserve em setembro. Os mercados emergentes interrompem o recente rali, com as bolsas e moedas perdendo terreno e afetadas também pelo recuo do petróleo.
Na China, os índices de preços ao produtor (PPI) e ao consumidor (CPI) mostram que o gigante emergente segue firme no esforço de estabilizar a economia. Enquanto a deflação no atacado encolheu pelo oitavo mês seguido, caindo 0,8% em agosto, em base anual, a inflação no varejo subiu 1,3% no período, no menor nível desde outubro do ano passado.
Ainda na agenda econômica do exterior, às 11h, saem os estoques norte-americanos no atacado em julho. Já no Brasil, o destaque fica com a inflação oficial ao consumidor, medida pelo IPCA, que deve perder forçar e subir 0,45% em agosto, após uma alta de 0,52% em julho.
Ainda assim, se confirmado, será o maior resultado para meses de agosto desde 2007, quando o indicador subiu 0,47%. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses deve ter movimento contrário e acelerar para 8,99%, de +8,74% no período acumulado até julho.
Os números oficiais serão divulgados às 9 horas pelo IBGE e devem calibrar as apostas em relação ao início do ciclo de cortes nos juros do país. Após a ata da reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na última terça-feira, o mercado passou a enxergar uma possibilidade maior do processo de redução da taxa Selic já em outubro.
As apostas de que haverá um corte de 0,25 ponto percentual no mês que vem já chegam a 60% de chance. O afrouxamento monetário teria continuidade em novembro, no último encontro do Copom deste ano, sendo que o tamanho da redução poderia ser ainda maior, de 0,50pp, o que resultaria em um juro básico em 13,50% ao final de 2016.
Desse modo, o mercado quer porque quer que a taxa básica de juros diminua, mesmo com a inflação ainda rondando a faixa de 9%, o que traz o risco de o Banco Central perder o controle em relação à alta dos preços. Como pano de fundo dessa aposta, estão as operações de “carry trade”, que busca retorno nas aplicações de juros via a cotação do câmbio.
E os números do próprio BC têm mostrado que não é o investidor estrangeiro que está apostando na valorização do real brasileiro e tampouco é a entrada de capital externo que tem desvalorizado o dólar. Com o saldo entre a entrada e saída de recursos vindos do exterior ao Brasil negativo em US$ 10,6 bilhões no ano, por causa da conta financeira, são os bancos que têm garantido receita via uma aposta arriscada.
Sob a perspectiva de que o Brasil se beneficiará do apetite pelo risco e de que os países desenvolvidos irão manter suas respectivas taxas de juros em níveis baixos por mais algum tempo, as instituições financeiras vislumbram um “tsumoney” no país. Se essa premissa não se confirma, o desmonte dessas posições pode causar um estrago grande.
O melhor, então, é mesmo o Copom cortar logo os juros, tendo como justificativa a retomada da atividade econômica. Trata-se da injeção de ânimo necessária para garantir a confiança do mercado doméstico em relação à cena política, facilitando o cenário para a aprovação do ajuste essencial para fomentar de vez o sentimento dos agentes econômicos.
Só assim, a Bovespa se firma na faixa dos 60 mil pontos e o dólar encosta-se nos $ 3,00, abrindo caminho para o governo Temer intensificar a mão de obra para uma jornada de 48 horas semanais, das atuais 44 horas, com um período mais longevo de trabalho - ao menos para as mulheres. Aí, as empresas conseguem recompor suas margens de lucros que estavam cada vez mais reduzidas, elevando a produtividade e encolhendo os encargos. Trata-se de uma via mais fácil do que estimular a atividade em si, depreciando a moeda local e fortalecendo o única lado que vinha dando sinais positivos: a balança comercial.